Educação, ensino e instrução

O que poderemos nós considerar por ensinar? Bem, quando se fala em ensinar, vem-nos logo à cabeça a escola, o professor a ensinar aos alunos como se lê, a ensinar a fazer contas, a ensinar que Afonso Henriques foi o fundador de Portugal, e por aí fora. Ora bem, e o que é que se aprende na escola? Em princípio serão os conteúdos programáticos, os saberes temáticos e teoréticos, dos quais constam a Matemática, a Língua Portuguesa, a História, e por aí fora. Assim sendo, quais serão as principais figuras desta interacção? O aluno e o professor, decerto. Quando afirmo aluno e professor, não quero que se fique com a sensação que o ensino apenas se dá entre aluno e professor. Um pai pode muito bem ensinar ao seu filho de cinco ou seis anos como se fazem contas de somar, e isso não o intitula com o grau de professor. Mas o que gostaria de salientar aqui é que o que se ensina são saberes teoréticos, e é isso que distingue o ensinar das outras actividades acima mencionadas, o educar e o instruir. Assim sendo, o local privilegiado onde se dá este ensino será a escola.
E o que quererá dizer a palavra educar? Mais uma vez, quando pensamos nesta palavra, uma outra figura vem-nos à cabeça. E essa figura não será muito diferente da que eu imaginei: um pai a dar um raspanete no filho, por este se ter portado mal. Assim sendo, quais serão os conteúdos da educação? Por certo serão os valores, regras de conduta, normas, atitudes, costumes e comportamentos sociais. E quem serão as figuras de tal processo? Por um lado, quem está a aprender, o educado. Por outro, quem educa. Esta actividade não decorre num lugar tão restrito como aquele inerente ao ensinar. A educação vai-se efectuando no nosso quotidiano, nos locais mais recônditos pelos quais nós passamos. Estamos a educar (e a ser educados, entenda-se...) em casa, na rua, ao ver televisão e a ouvir rádio, a ouvir o raspanete do senhor do talho por não termos respeitado a vez de sermos atendidos, e por aí fora. Assim, tal como esta educação pode tomar lugar nos sítios mais variados, também os responsáveis pela mesma são muito variados. Tal como os pais e os familiares são responsáveis pela educação (talvez em maior grau, é certo), também a televisão, o vizinho do lado, o amigo ou o empregado de balcão estão permanentemente a educar quem com eles interage.
Por fim, vem a instrução/iniciação. Talvez seja esta a categoria que mais dúvidas poderá levantar para o leitor desprevenido. Ora bem, pensemos mais uma vez numa imagem para a acção de instruir. Dificuldades? Eu ajudo. Pensemos num instrutor da condução a dar a respectiva aula, ou um pintor a ensinar como se pintam telas a óleo. Quais os conteúdos desta instrução (ou iniciação)? Será um saber fazer, uma destreza corporal, que o instrutor tenta passar ao aprendiz. No entanto, não vamos considerar a tarefa dos instrutores como sendo ensino. Pelo que já vimos anteriormente, no ensino os conteúdos são saberes teoréticos e temáticos, enquanto que na instrução são saberes-fazer (o savoir-faire dos franceses ou o know-how dos ingleses) e destrezas corporais. Assim, a grande diferença entre ambos é o tipo de conteúdo transmitido, o saber teorético versus o saber fazer. É a oposição entre a teoria e a prática. E onde se dá esta instrução? Ora bem, dá-se no ginásio, na oficina, no atelier de pintura, e por aí fora. Dá-se nos locais onde os conteúdos que são transmitidos são predominantemente práticos, são sobretudo competências corporais. E como se designam as figuras que participam nesta mesma actividade? Pode ser o instrutor, que instrui o seu aprendiz (tal como nas marcenarias existem os aprendizes de marceneiro, que aprendem com o instrutor), e pode ser o mestre, que instrui o seu discípulo (tal como o mestre de artes marciais instrui o seu discípulo na arte de combate). (...)
Esta confusão reflecte-se nas definições presentes no dicionário. Definem educar como "desenvolver as faculdades físicas, morais e intelectuais de". Ora bem, nós já vimos anteriormente que estas três actividades são diferentes. Quando estamos a desenvolver as faculdades físicas de alguém, estamos a instruí-lo; quando estamos a desenvolver as faculdades intelectuais de alguém, estamos a ensiná-lo. Só quando estamos a desenvolver as capacidades morais de alguém é que estamos a educá-lo. Não se pode definir educar deste modo, uma vez que estas três actividades são diferentes (talvez não possamos dizer que são radicalmente diferentes, mas que existem diferenças entre elas é ponto assente). Tal como não é possível definir ensinar através das palavras instruir e educar, e muito menos doutrinar. Doutrinar significa transmitir, convencer alguém de uma posição política, religiosa ou filosófica. Como será possível afirmar que ensinar alguém é estar a doutriná-lo? Também não é possível dizer que a instrução é ensino - apesar de as actividades serem de facto semelhante, difere significativamente tanto o conteúdo daquilo que é transmitido, como os meio como são transmitidos e recebidos os conteúdos.
in http://www.educ.fc.ul.pt