Filosofia e cidadania - por Ricardo Jorge M. Pinto

“A filosofia é (…) uma atitude reflexiva. Ela busca as raízes e os fundamentos dos problemas sobre os quais se propõe reflectir (…) e ainda examina as questões de modo global, no seu conjunto ou meio em que está inserido. (…) Abre os horizontes (…) em dimensão transdisciplinar. Torna-nos mais críticos e capazes de exercer a nossa própria cidadania.”
Este excerto foi retirado de um projecto de voluntariado do Colégio de São Joaquim, São Paulo, Brasil, e não tem autores declarados. No entanto, é uma articulação de conceitos simples e correctos. A filosofia, como disciplina, é definida como o estudo de todos os problemas, e fica então já delineada uma ligação de necessidade (quase obrigatoriedade) entre a filosofia e a cidadania sem-rumo; se esta se encontra com problemas de “identidade”, a sua melhor companhia é a filosofia - para saber o que é e como tem de agir. Sendo a cidadania a actuação do cidadão e (principalmente) a sua participação na vida política da sua sociedade tendo em vista o desenvolvimento desta, a filosofia funcionaria/funciona como um barómetro de acções. Será que é certo o que estou a fazer? Será correcta esta decisão? No entanto, não é muito comum ver-se a aplicação forte da filosofia neste tema. Aliás (sou estudante e posso confirmá-lo com toda a certeza), é comum ouvir-se a pergunta: “mas afinal, filosofia serve para quê?” 
É preocupante, e acho que seria de maior importância ser este o primeiro ponto a ser esclarecido na mente dos novos “génios do secundário”: o ensino filosófico é essencial à deliberação, à ética e à moral. Eu próprio, como aluno desta disciplina, demorei um ano lectivo para compreender como me tinha mudado. Faz-nos crescer não em altura, mas no pensamento. Não é por acaso que começa a ser leccionada no secundário: é a preparação que temos perante o mundo real - que não nos facilitará a vida; é por demais necessário espírito crítico e responsabilidade. Só nos podemos queixar e falar mal da política e dos políticos deste país se soubermos do que estamos a falar, e antes de nos queixarmos deles, temos de nos culpar a nós que os escolhemos para comandar. O poder do povo pode estar diluído por dez milhões de pessoas, mas se cada uma por si própria tivesse reflectido interiormente, estimulado o nosso pensamento lógico e crítico de braço dado com a “senhora” Filosofia, talvez (mas só talvez) não estivéssemos na posição em que nos encontramos. 
Uma suma brilhantemente bem feita tem como criador Euclides André Mance, filósofo brasileiro, que assim escreveu: 
“Entre as disciplinas humanísticas necessárias à educação para a cidadania, ressaltamos a importância da Filosofia. (…) O seu papel é formar pessoas com pensamento crítico, solidário, criativo, que saibam distinguir argumentos, fundamentar posições e tomar decisões, habilidades necessárias ao mundo prático. (…) Assim compreende-se a educação filosófica como capaz de formar pessoas que exercitem um pensamento criterioso, que aprimorem a criatividade e intervenção sobre os eventos dos quais tomam parte.” – em “O Filosofar Como Prática da Cidadania” 
A filosofia leva-nos a pensar para além do ordinário e do óbvio, a reflectir sobre as nossas acções ou ideias/ideais. Pesá-los nas balanças da ética e da moralidade, para sermos seres equilibrados, coerentes e correctos. Decerto também poderá, por oposição, dar o mote de crítica a quaisquer sistemas errados e que urjam por mudança. A filosofia torna-nos atentos, e encoraja o nosso espírito de inconformismo e mudança. (…) 
A filosofia demonstra-se por demais importante em todos os planos, mas onde é necessário tomar decisões, esta torna essencial. Deste modo, e porque o mundo será dos jovens, é crucial começar o ensino desta disciplina o mais cedo possível, e levá-los a acreditar que não é desnecessária e “fraca”, mas antes a essência que os tornará numa substância digna de viver e de fazer valer o tempo neste planeta. 
Não poderia findar o meu trabalho sem citar mais uma vez Agostinho da Silva: “Correria talvez melhor o mundo se escolas de existência filosófica agissem como um fermento, fossem a guarda da pura ideia, dessem um exemplo de ascetismo, de tenacidade na calma recusa da boa posição, de alegria na pobreza, de sempre desperta actividade no ataque de todas as atitudes e doutrinas que significassem a diminuição do espírito, ao mesmo tempo se recusando a exercer todo o domínio que não viesse da adesão. Velas incapazes de se deixar arrastar por ventos do acaso seguiriam sempre, indicariam aos outros o rumo ascensional da vida.” – in “Ir à Índia sem abandonar Portugal”

Ricardo Jorge M. Pinto, O que é ser um Cidadão no Mundo?, pg 18-19,  11ºA, AEAAV, 2013