George Orwell e "O triunfo dos porcos" - por Adriana Cristina Duarte de Carvalho

George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair, nasceu a 25 de Junho de 1903 na Índia numa família inglesa de “classe média-alta” como ironicamente se coloca em The Road to Wigan Pier (1933). Trabalhou como operário numa fábrica, foi professor primário e um severo crítico da sociedade que viveu, sendo muitos os contributos de revolta, pacífica, mas genial. Jornalista, autor político e novelista de uma sinceridade crua e necessária, transformou habilidosamente os seus testemunhos de vida em obras literárias com um reconhecimento modesto do público dos nossos tempos.
Viajando e experimentando classes sociais variadas devido aos tempos controversos, Blair acaba por voltar a Inglaterra, terra onde passou grande parte da sua juventude, para casar, adotar um filho, publicar os seus últimos e mais reconhecidos trabalhos e ser hospitalizado no Hospital da Faculdade de Londres por sofrer de tuberculose. Acaba por morrer aos 46 anos no dia 21 de Janeiro de 1949.
Mestre do humor e da sátira observou criticamente a política do seu tempo e previu com facilidade o futuro que chegaria a assombrar o mundo. Porque dedicou grande parte da sua vida a várias causas do capitalismo, fascismo e estalinismo, empenhou-se em transformar a própria escrita política numa arte de liberdade pessoal, como ele próprio escreve no livro O Triunfo dos porcos, “Liberdade é dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”.
Precisamente, o livro escolhido como parte integrante deste trabalho é uma conhecida fábula política escrita por George Orwell entre Novembro de 1943 a Fevereiro de 1944 de nome Animal Farm e traduzido para português como O Triunfo dos porcos. Foi após o retorno de Espanha que pensou em expor o “mito soviético” numa pequena história de fácil compreensão, que não pôde ser publicada até a guerra ter terminado, por oposição das editoras.
Muito resumidamente relata a história de uma revolução inovadora entre os animais de uma quinta e o modo previsível como o idealismo criado foi traído pela perigosa mistura do poder, da corrupção e da mentira.
Vivendo aterrorizados e fartos da crueldade desumana do seu dono, o Sr. Jones, os protagonistas revoltam-se e expulsam-no da própria quinta, assumindo eles próprios a responsabilidade do governo da mesma e da sua sobrevivência. Decidem então implementar regras para que o sucesso das tarefas fosse possível e para que nunca nenhum animal passasse fome ou trabalhasse para os humanos outra vez. Usam a repulsa que sentem contra o Homem, os seus métodos bárbaros e todos os seus vícios para declarar que coisas como dormir numa cama, usar roupas, fumar ou beber álcool, tocar em dinheiro ou comercializar e, principalmente, todos os atos de tirania para com outros animais seriam proibidos no futuro. Nascem os sete mandamentos da quinta, no qual pretendo destacar o último, “Todos os animais são iguais”.
Sendo os porcos os animais mais inteligentes e participativos nas discussões dos problemas da quinta rapidamente assumem uma liderança improvisada que os outros aceitam, alguns porque raramente discordavam do que diziam, outros por não compreenderem quase nada. Destacam-se Snowball e Napoleão, dois porcos jovens e inovadores normalmente em desacordo com as decisões, mas bastante empenhados na tarefa de governar a Nova República dos Animais.
Todos trabalhavam arduamente nas pesadas tarefas da quinta que necessitavam de cumprir, porém viviam felizes pela liberdade e por todo o produto do seu trabalho ser inteiramente para eles, não tendo de o dividir com humanos para quem trabalharam no passado e que não produziam nada, tendo apenas como pagamento chicotadas e períodos de fome. Contudo este clima depressa se alterou. Snowball foi corrido da quinta pela inveja e ganância de poder de Napoleão, e com ele todas as esperanças de uma sociedade justa para os animais. Napoleão depressa se proclamou chefe supremo da República Animal e lentamente todos os direitos e promessas de uma vida melhor para os habitantes da quinta foram habilmente arrancadas e substituídas por outras em que o melhor para todos era esta nova política e ideais. Os outros animais, demasiado “estúpidos” para se darem conta do que se ia passando, deixaram toda a sua liberdade e direitos escapar-lhes das patas como areia. Todos os sete mandamentos anteriormente proclamados foram corrompidos e posteriormente alterados para bom proveito de Napoleão e dos outros porcos. Tornavam-se cada vez mais naquilo contra o que tinham lutado no passado, enquanto os restantes animais pouco ou nada fizeram em protesto, nem quando viram alguns dos seus companheiros serem mortos mesmo à sua frente por alegadas corrupções sem fundamento de traição a Napoleão. Conformaram-se que este novo regime era o melhor para todos e que sacrifícios e confiança no novo chefe eram tudo o que precisavam para terem o que sempre sonharam, como habilmente os faziam crer os porcos devido ao seu grande poder de propaganda, que nesta história é representada pelo porco Squealer. O sétimo mandamento foi por último alterado e o único a sobreviver ao verdadeiro triunfo dos porcos, ainda que ligeiramente alterado - “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.

«A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez.»
George Orwell

O livro termina com a confusa ideia dos animais da quinta em distinguir, numa festa entre humanos e porcos, quem era quem, mostrando que ambos se tinham tornado tão idênticos que se tinha deixado de ser possível fazê-lo.
É possível depois de lida a história confirmar que algumas personagens, ações e regras patentes na história de Orwell são idênticas ou possivelmente inspiradas em personalidades e acontecimentos verídicos da história do nosso mundo. Não é de admirar que isto se passe, visto que Eric Blair viveu e combateu num período de guerras civis sangrentas e desesperantes contra governos absolutistas ou pior. No entanto, esta crítica não se estende apenas a um determinado período histórico ou líderes políticos, mas torna-se num “retrato melancólico da inseparável estupidez da humanidade em todas as épocas”. Essa mesma atualidade de ações e valores ditos humanos são algo tão difícil de superar que acertadamente escrito em forma de fábula torna-se numa “realidade atemporal” para a política no mundo e que diz respeito a todos nós. Da mesma forma que os sete mandamentos da quinta primeiramente acordados são rapidamente comparáveis aos Direitos do Homem, do trabalhador e de outros também estabelecidos depois de uma revolução, tal como no livro, qualquer governo consegue manipular e trabalhar ao sabor da sua vontade materialista, basta desejá-lo.
Depois de lido o livro e feito esta pequena reflexão à intemporalidade da nossa ganância, não será que uma falsa aura de liberdade e concessão assombra, a todos nós, a nossa capacidade de observação do tipo de vida que vivemos?

«As massas nunca se revoltarão espontaneamente, e nunca se revoltarão apenas por serem oprimidas. Com efeito, se não se lhes permitir ter padrões de comparação nem ao menos se darão conta de que são oprimidas.»
George Orwell

Adriana C. D. Carvalho, É possível construir uma sociedade justa na perspetiva do livro O Triunfo dos Porcos de G.Orwell?, pg. 5-7, 11ºA, AEAAV, 2013