A interpretação da linguagem política

"Pela boca morre o peixe" dizia a minha avozinha, que até nem era pescadora, nem das bordas marítimas. Os excessos da linguagem política têm vindo a tornar-se familiares, e nem sequer havemos de levá-los a mal, porque a política, mais que a arte do possível, é a arte do excesso. Excesso de promessas, na sua versão mais suave (ou soft, ou light, como agora dizem os tecnocratas da informação) e mais aliciante: com promessas ninguém se ofende; excesso de discursos e de declarações literariamente sumptuosas, porque a habilidade oratória passou-se dos púlpitos para as amplificações sonoras dos comícios e das assembleias, e para as megafonias dos cortejos propagandísticos de eleições ou reivindicações; excesso de acusações mútuas, porque a falta de argumentos para a defesa ou sustentação das opiniões próprias, crêem eles e elas que só pode ter um sucedâneo à altura: a acusação fácil e fútil aos adversários políticos, que às vezes até são amigos de bairro, daqueles das exibicionais vivendas do Estoris ou dos Cascais; excesso de presença oportuna ou importuna junto dos grandes Media (que às vezes são bem pequenos e ridículos) através de entrevistas, debates, declarações e, ainda por cima, artigos de opinião que geralmente servem apenas para chover no molhado, repetindo argumentos, justificações, ataques, ofensivas, defensivas, passes laterais, bolas fora, e tudo o resto que já era conhecido de outras instâncias; excesso das leis que se fazem e não se cumprem, das normas e decretos apenas úteis para burocratizar a vida e complicar a acção do cidadão e para dar que fazer aos advogados e aos tribunais, que ainda por cima estão assoberbados de trabalho (dizem eles); e, por fim, o de todos mais pernicioso, excesso de desatenção e olvido dos reais problemas das populações, à custa de quem vivem e para quem fingem que trabalham. 
"Pela boca morre o peixe", diz então a sabedoria popular. Porém a sabedoria dos homens políticos não é igual à sabedoria popular, e esse é mais um dos seus males, porque os afasta do sentir do povo. É uma sabedoria de intelectuais, que transformam o anterior dito popular em "pela boca se safa o peixe", e quantas mais bocas botarem ao vento, mais as gentes se deixam embeiçar por elas. Seguem a lógica da quantidade, que supera e substitui a da qualidade .
Tantas palavras dirás, que com alguma delas ganharás, e não cures de saber qual será: se a sábia, se a néscia; se a oportunidade, se apenas aquela de que a mente popular está à espera. Porque há sempre alguém à espera das palavras: quantas mais desfiares, maiores são as probabilidades de seres ouvido. Não importa a lógica; importa a sua aparência. Não importa a verdade dos factos ou a justeza dos argumentos: basta-te a ilusão da convicção com que falas, ainda que ela seja apenas teatral. Em política o que parece é, disse aquele dinossáurico sábio que também se serviu da oratória.
3. Estas profundíssimas considerações podem vir a propósito de quase tudo na vida política que nos envolve, e que agora também mudou tendas para os domínios dos interesses comerciais, empresariais e políticos do mundo do futebol, actividade social que tem vindo a assumir o papel das disputas eleitorais, à falta destas. Ele são candidatos, ele são comícios, ele são debates, ele são entrevistas, ele são acusações, ele são sondagens "fiáveis", ele são eleições, ele são escrutínios, ele são imagens retumbantes de câmaras ousadas. As televisões e as rádios, nanja os jornais e as revistas, encarregam-se de transformar a escolha de um dirigente-para-gerir-a-crise em assunto de verdadeiro interesse nacional. Um até lhe chamou, com papálvica originalidade, "mega-eleições".
Ora esta concepção da acção política, por muito comum que seja, e é, não pode conduzir senão ao desastre. Se os nossos dirigentes, candidatos, autarcas, deputados e todos os outros se preocupassem mais em mostrar a pertinência dos seus projectos, o impacto junto da opinião pública seria menor do que o ataque aos adversários políticos (pensam eles). Não sei se é assim. Se assim é, trata-se de um sintoma lamentável da nossa podridão social. E a melhor forma de alimentar essa podridão é continuar a laborar nela.
Aqui entra (deveria entrar) a responsabilidade dos "pais da pátria", da aristocracia dos detentores da palavra: a sua acção pedagógica, se não conduz a uma educação para os valores da afirmação e da honestidade, atasca-se, como as audiências de televisão, no círculo vicioso da exploração da ignorância e do mau gosto das gentes, sejam elas "o público" ou "os eleitores". A pedagogia social tem que afirmar-se pela cidadania e pela cultura; não pela exploração da superficialidade e das animosidades. E muito menos das intempéries climatéricas.
C.F. in http://www.etc.pt