A utopia do possível - Gustavo A. Junqueira Amarante

O capitalismo, voltou a ser praticado no modo “selvagem” e só tem feito aumentar o abismo entre os ricos e os pobres. Os primeiros acumulam fortunas indecentes e imorais, que sustentam privilégios que deveriam estar mortos e enterrados, juntamente com os tiranos do passado. Ao mesmo tempo em que se locupletam com ganhos inexplicáveis, quando o sistema financeiro que proporciona estes ganhos, colapsa, os ricos socializam o prejuízo por todo o contingente de gentes trabalhadoras e pagadoras de impostos, e encontram sempre um economista de plantão para justificar e endossar as desgraças que se abatem sobre os que não carregam culpa. Também cooptam governos e governantes, distribuindo migalhas gordas para calar consciências e jurisprudências. Aos últimos cabe apenas sonhar com uma mobilidade social quase inatingível e acreditar na lisura do sistema e dos homens que o gerenciam; este tempo está se esgotando, como o demonstram as ocupações de Wall Street e outras.
A democracia, ao que me parece, foi comprada pelo capitalismo selvagem. Serve à um só senhor, o senhor mercado. Presidentes eleitos, primeiros ministros, governadores e demais mandatários, representantes do povo, nada fazem sem a consulta prévia ao tal mercado. Este ente onipresente e todo poderoso nos roubou a voz e a vez, deixando-nos órfãos de representação e de vontade. No segundo escalão deste poder, encontramos grupos de interesse e clãs familiares ou por associação, a quem cumpre aparentar ser a classe média alta ou alta burguesia, como se dizia antigamente. A estes cabe o papel de novos ricos, sempre atolados na orgia da ostentação dos sonhos fabricados e vendidos nos anúncios da televisão e da internet. Nos círculos mais distantes está a pequena burocracia, a quem cumpre fazer valer o poder de cima, com sua miríade incompreensível de regras e regulamentos, confusos e divergentes, que obedecem à máxima do dividir para reinar.
Esta democracia corrupta e este capitalismo, selvagem e corruptor, são a doença social do nosso tempo, que incide em maior ou menor grau em todo canto e acometeu todos os regimes e todos os sistemas do espectro ideológico. Ao olhar mais aprofundado, não há diferença entre a podridão britânica ou francesa ou americana, e a dos chineses ou dos antigos soviéticos. Todos são sistemas de castas, com vestimentas levemente diferentes e discursos apropriados ao grau de pasmaceira de seus povos e do momento de suas histórias.
Para a nossa sorte, a visão e o sentimento deste mal, feriu salutarmente todos os povos e todas as gentes, que se cansaram de suas febres e tremores e humores. Vivemos tempos de primaveras. Árabes e judeus, europeus e africanos, americanos do norte e do sul, e asiáticos, todos a seu tempo, estão se erguendo contra a ordem constituída. Ainda não sabem bem o que querem, mas sabem que não querem mais ser regidos pelos hediondos mercados e seus mercadores de tristezas e de pobreza.
Talvez esteja chegando o tempo da democracia em tempo real e do capitalismo light, como o descrevi. Igualdade de oportunidade e lei, para todos, sem distinção. Assim,”tarifar pesadamente e progressivamente o lucro, reduziria drasticamente as diferenças e criaria recursos adicionais para o benefício de toda a sociedade humana. Do mesmo modo, taxar progressivamente as heranças, permitiria igualar um pouco mais as oportunidades. Lucros menores e começos mais modestos, ainda permitindo ganhos diferenciados por mérito, controlariam a sedução dos ganhos imensuráveis. Ainda haverão os que dirigem Ferraris e os que usam o transporte coletivo, mas todos terão suas necessidades fundamentais contempladas, igualdade de oportunidades e a possibilidade de optar e escolher o que lhes parece melhor. Esta é a minha versão da utopia do possível.
Gustavo Adolpho Junqueira Amarante in http://www.observadorpolitico.org.br