Economia sem educação? Só na Playstation - por Nicolau do Vale Pais

É óbvio que estamos a pagar demasiados impostos para não nos arrogarmos o direito de discutir o lugar do Estado ou da coisa pública nas nossas vidas; em boa verdade, se mandarmos a política e o partidarismo às malvas, e nos concentrarmos realmente em prazos de análise fora do quadrado eleitoralista - a 10, 20 ou 30 anos, portanto - concluímos que todas as vitórias a que assistimos durante o século XX foram só e apenas possíveis com altos níveis de comprometimento entre governantes e governados. Foi assim que se venceu uma taxa de analfabetismo surreal; foi assim que ultrapassámos a Alemanha ao nível dos cuidados públicos no parto e no neo-natal (olé...).
Para o melhor e para o pior, é assim que podemos hoje discutir um modelo de televisão pública em vez de o ver encerrado à força, e é assim que ainda estamos - e estou convencido, estaremos - longe dos desastres violentos como a praça Taksim. No centro destas transformações está o Estado Democrático. Muitas vezes ínvio, outras tantas corrupto, sobretudo mal discutido e defendido, mas democrático - longe de perfeito, mas com responsáveis bem identificados. O que é, em si, boa profilaxia para os males da venalidade, característicos por sua vez, de todos os regimes.
É por isso que é bárbaro o ataque que tem sido feito ao nosso modelo de Estado; as insinuações sobre a classe dos professores constituem-se como feio exemplo da demagogia política generalizada a tudo o que é público. O ataque é bárbaro, porque cobarde. Vamos lá, agora a sério: quadros político-partidários, claramente identificados em pessoa e procedimentos, criam um rombo no sector bancário equivalente a um ano de orçamento do Ministério da Educação, e o problema mediatizado são "os professores"?... Não cabe na cabeça de ninguém dizer aos contribuintes que paguem os complexos de inferioridade do Dr. Dias Loureiro e, ao mesmo tempo, atacar a Administração Pública como centro do problema (como tem sido feito ao longo dos últimos dois anos).
O Estado Social, já aqui o escrevi e repito, é o que sobra de civilizado neste país periférico e bem intencionado; o que se deve resolver com coragem é a inércia da Administração Pública, isso é evidente - que por lá há abusos também, claro, como há também abusos na fuga ao fisco, que é fundamentalmente perpetrada pelo sector privado, por exemplo, com a desvantagem que um ordenado pago a um funcionário público regressa como consumo à economia. Já um SWAP, nem por isso. Ou seja, deixem-se de "letra" e comecem a discutir a sério a Administração Pública - o aparelho - e não o modelo - o Estado Social.
O problema central parece-me estar trágica e infelizmente espelhado nas insinuações desta semana que apelavam, da parte do poder, à "consciência" dos professores. Nuno Crato, ministro da Educação, invertendo dubiamente os papéis de responsável e de funcionário, centrou o discurso na ideia de que os alunos sairiam prejudicados pela greve. Sindicatos e média morderam o isco, e houve palco para todos na caixa que não mudou o mundo (ou se mudou, foi para pior). Sucede que de alunos pouco ou nada se falou, tão pouco nos que hoje têm na escola o único lugar de escape possível ao fatalismo nacional ou mesmo à própria fome. Sobre o lugar da educação na economia, nada. Sobre a relação da educação com os desafios internos e externos que se nos colocam, nem uma palavra. Tudo é falsamente ideológico de parte a parte, inflamado discurso moralista entre "direitos" e "deveres", como se estivéssemos a falar de amendoins, e não do centro nevrálgico do que de melhor aconteceu ao país nas últimas décadas. E eu nem sequer sou um defensor ideológico do direito à greve; simplesmente prefiro viver num país que a permite, porque conheço a História dos regimes que o não fazem.
Estamos a falar de vocação ou do respeito pelo seu fomento e desenvolvimento, como ferramenta inteligente e lúcida de valorização individual e colectiva. Ou seja, de prosperidade, de auto-determinação, de decência, de gestão de recursos, de Economia. E Economia sem educação, isso, só na Playstation.
Nicolau do Vale Pais in http://www.jornaldenegocios.pt