Educação e Neoliberalismo

Qualidade total, modernização da escola, adequação do ensino à competitividade do mercado internacional, nova vocacionalização, incorporação das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, abertura da universidade aos financiamentos empresariais, pesquisas práticas, utilitárias, produtividade, essas são as palavras de ordem do discurso neoliberal para a Educação. O que significam?
O termo qualidade total aproxima a escola da empresa. Em outras palavras, trata-se de rimar a escola com negócio. Mas não qualquer negócio. Tem de ser um bem administrado. O raciocínio neoliberal é tecnicista. Equaciona problemas sociais, políticos, económicos como problemas de gerência adequada e eficiente ou inadequada e ineficiente. Por exemplo, ao comparar a escola pública de primeiro e segundo ciclos à escola particular, a retórica neoliberal diz que a qualidade da primeira é inferior à da segunda porque a administração da escola pública é ineficaz, desperdiça recursos, usa métodos atrasados. Não levando em conta a diferença social existente entre ambas, nem a magnitude do capital económico de cada uma. Assim, a noção de qualidade traz no bojo o tecnicismo que reduz os problemas sociais a questões administrativas, esvaziando os campos social e político do debate educacional, transformando os problemas da Educação em problemas de mercado e de técnicas de gestão.
Enquanto o liberalismo político clássico colocou a Educação entre os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo, promove uma regressão da esfera pública, na medida em que aborda a escola no âmbito do mercado esvaziando, assim, o conteúdo político da cidadania, substituindo-o pelos direitos do consumidor. É como consumidores que o neoliberalismo vê alunos e pais de alunos. A seguinte recomendação do Banco Mundial exprime esta visão: a redução da contribuição directa do Estado no financiamento da Educação. Parte do que actualmente é gratuito deveria tornar-se serviço pago pelos estudantes que, para tanto, receberiam empréstimos do Estado ou bolsas.
Em vez do Estado financiar directamente a Educação, deveria dar bónus aos pais dos alunos, isto é, uma quantia de dinheiro suficiente para que eles, vistos como consumidores, matriculem seus filhos numa escola de seu agrado.
Como observamos, a novidade, se é que assim se pode chamar, do projecto neoliberal para a Educação não é só a privatização. O aspecto central é a adequação da escola e da universidade pública e privada aos mecanismos de mercado, de modo que a escola funcione à semelhança do mercado.
No que diz respeito à universidade pública, o discurso neoliberal condena o populismo, o corporativismo, o ensino ineficaz e a falta de produtividade, Nesta retórica maniqueísta, todas essas palavras soam como atributos negativos. Mas serão negativos? Com o termo populismo critica-se desde a relação dialogante entre professores e alunos até o funcionamento da democracia universitária, as eleições, as campanhas eleitorais. Com a palavra corporativismo a retórica neoliberal ataca desde os direitos dos funcionários, que passam a ser chamados de privilégios, até as reivindicações salariais. A expressão "falta de produtividade" tem em contrapartida a produtividade da pesquisa relevante, isto é, utilitária, bem financiada, altamente rentável, segundo critérios mercantis.
No fundo, com estas críticas, percebe-se que o que incomoda os neoliberais é a liberdade académica, o distanciamento da universidade pública em relação aos mecanismos de mercado, a ausência de submissão aos critérios da produção industrial da cultura.
Em suma, o neoliberalismo apresenta-se como uma ideologia progressista, de acção - que tem a história do seu lado, está com o processo de globalização, da internacionalização da economia, com uma confiança cega no mercado e nos novos conceitos de gestão empresarial, nos quais os problemas sociais e políticos ficam reduzidos a uma questão técnica de gestão, contudo em realidade, ao contrário, acaba por mostrar a sua face de clara reacção. Reacção aos direitos sociais, à participação do Estado em políticas sociais, o que implica regressão da esfera pública numa época de aumento das desigualdade existentes.
(extracto de um trabalho de Sonia Alem Marrach)