Incesto permanente - por J.M. Nobre-Correia

Comentadores. A imprensa, a rádio e a televisão em Portugal dão uma estranha e preocupante impressão de que a diversidade e o pluralismo são extremamente limitados.
O mundo mediático e jornalístico português funciona de curiosa maneira. Pelo menos é essa a impressão para quem viveu a maior parte da vida no estrangeiro. E que, por conseguinte, praticou durante longuíssimos anos, diariamente, a imprensa, a rádio, a televisão e a Internet de diferentes países europeus. Prática de simples leitor, ouvinte, espectador e internauta, mas também de analista e de colaborador permanente.
Um dos mais curiosos aspectos é o que leva a constatar que os "comentadores", a opinião e a análise (e quantas vezes ? a pseudoanálise) é obra de um pequeno microcosmos alfacinha. Um número, em suma, bastante restrito de "comentadores" (estranha noção que não existe noutros países), políticos e jornalistas, e mais raramente alguns universitários, que aparecem em todos os media ditos "nacionais".
Esta omnipresença do microcosmos deixa uma estranha impressão de incesto permanente. Porque os que trabalham e escrevem nos jornais intervêm igualmente na rádio e na televisão. E os que trabalham e editorializam nas rádios e nas televisões têm direito a uma cronicazita nos jornais. Eu convido-te e tu convidas-me, tu contrastas-me e eu contrato-te, tu juntas uns eurozitos e tu fazes-me juntar uns eurozitos. Isto tudo, é claro, entre nós, gente antes do mais alfacinha que frequenta os mesmos bares e os mesmos restaurantes, e até os mesmos círculos e as mesmas fraternidades...
A sensação que fica é que, no fim de contas, a diversidade e o pluralismo dos media em Portugal são ultralimitados. Mas, como se isso não bastasse, a diversidade e o pluralismo dos "comentadores" e, por conseguinte, das opiniões e análises propostas aos cidadãos são ainda mais limitados. Exageradamente limitados. Transformando a cena mediática portuguesa num palco em que se desenrola em permanência um espectáculo incestuoso entre gente do mesmo mundo e até da mesma família profissional, sociológica, da cultura dominante. O que não é precisamente o que se espera de uma autêntica democracia pluralista... (...).
J.M. Nobre-Correia in dn.pt