
Vejamos. A diplomacia portuguesa tem falhado sistematicamente as suas tentativas de acelerar a ratificação de uma coisa que ela mesma não sabe muito bem explicar aos seus interlocutores aquilo que seja ou em que consiste. Ou então, se tem feito tais tentativas, é incapaz de ler os sinais, todos eles absolutamente inequívocos, que vão sendo dados sobretudo a partir do Brasil e de Angola, ficando inabilitada para transmitir uma análise proficiente da situação ao Governo português. Em qualquer caso, e essa análise permitiria uma sinopse tão rápida quanto expeditiva, é assim: a coisa não vai por diante. É de notar que a situação se arrasta penosamente desde há não sei quantos anos, tendo variado numa escala que vai percorrendo todos os graus imagináveis, do triunfalismo irresponsável ao mutismo embaraçado. Da CPLP aos diplomatas portugueses (dos outros não faço ideia, a não ser que mantêm de Conrado o habitual prudente silêncio), encontrem-se eles a funcionar com base na multilateralidade ou na bilateralidade, ninguém sabe dizer nada. Ninguém é, sequer, capaz de escutar exactamente aqueles profissionais da utilização quotidiana da língua (escritores, professores, jornalistas, etc.) de quem, todos os dias, lemos em nota de rodapé aos artigos que escrevem, que não aceitam a aplicação das normas do dito acordo. Quanto a tais posições, em que a minha própria se inclui, ninguém sabe dizer nada... E todavia esses respeitáveis funcionários do MNE entram a estralejar em alvoroço esfuziante se há dia em que podem recortar, mandar para a cifra e transmitir a Lisboa duas linhas, ou meio parágrafo, ou qualquer coisa porventura insinuada obliquamente entre parêntesis, num texto mais ou menos anódino sobre o país a cujo serviço estão...
A questão fica assim metida numa espécie de camisa de onze varas ou de anestesia paralisante no que toca às decisões urgentes de suspensão e revisão do Acordo que deveriam ter sido tomadas há muito tempo e não o foram, o que acarreta consequências trágicas que se avolumam à medida que os meses vão passando. Não se tem feito nada para alterar o que está a acontecer nas escolas e sobre uma situação que, ao que consta, tem sido objecto de informação mais do que abundante na comissão parlamentar. Tão-pouco se tem feito o que de há muito se pede e que deveria levar os deputados a analisar, ou a pedir a elaboração de análises sobre a falta de consistência científica, técnica e prática. Ou do seu inverso. Ou das responsabilidades emergentes. Ninguém sabe dizer nada...
Muitos professores, tanto quanto sei, estão a bater-se heroicamente contra o Acordo, onde quer que possam manifestar-se nesse sentido. Pessoalmente, estou convencido de que, na base de uma tomada de posições claras por parte dos responsáveis políticos, se encontram meros juízos equivocados de oportunidade e isso faz-me uma certa impressão. Com tantas dificuldades como aquelas que atravessamos actualmente em todas as áreas da vida, se nos é pedido um crédito de confiança quanto a tudo o que nos está a torná-la cada dia mais complicada, também deveria ser-nos demonstrado um mínimo de boa vontade no tocante àquilo que poderia ser resolvido sem grandes sobressaltos.
Mas ninguém sabe dizer nada...
Vasco Graça Moura in dn.pt