O olhar da cobiça - por Manuel Maria Carrilho

Tudo gira, hoje, em torno da riqueza: da que existe, da que desapareceu, da que se procura. Foi a pensar nela que Adam Smith lançou as bases da economia política moderna. Mas, ao contrário do que geralmente se diz, as questões que mais o inquietavam não surgiram na sua obra mais conhecida, A Riqueza das Nações, de 1776, mas quase vinte anos antes, em 1759, no seu livro Teoria dos Sentimentos Morais.
E a sua ideia central surpreenderá muitos, porque o que Adam Smith afirmou nessa obra notável foi que a riqueza não é o que assegura o nosso bem-estar - para isso, bastaria uma vida sem carências, mas frugal. Não, o que ele intuiu foi que a riqueza, mais do que ser aquilo que se acumula, é afinal o que nós identificamos como o que é mais desejado pelos outros.
O que Adam Smith descobriu foi que não é a necessidade material que está na base da procura da riqueza, mas antes o desejo. Ora, enquanto a necessidade cessa com a satisfação, o desejo, pelo contrário, renova-se e renasce de cada vez que se sacia. A riqueza é o que é desejado pelo olhar que mais conta para cada um de nós, que é o olhar desse espectador constante, multiforme e indefinível que constitui o que chamamos "os outros".
Esta perspetiva identifica assim, na origem da aspiração humana à riqueza, um complexo dispositivo de comparação e de imitação, que seria como que inato à humanidade. Como se tudo se passasse, na experiência humana, como no caso descrito pelo primatólogo Frans de Waal com dois chimpanzés instalados em duas jaulas contíguas.
Enquanto se lhes dá a ambos a mesma comida, um pequeno pepino, eles respondem lançando pequenas pedras para o exterior, mostrando-se contentes com este jogo. Mas no momento em que se dá a um só deles umas uvas, a sua comida preferida, o outro imediatamente para o jogo e amua, rejeitando o pepino e enfurecendo-se cada vez mais... enquanto o primeiro rejubila com a situação!
São várias as investigações que, nesta linha, têm insistido no decisivo papel que a comparação, nos seus constantes e múltiplos jogos e combinações, tem na felicidade e na infelicidade humana. Basta, para o reconhecer, um exemplo banal: se me anunciam um aumento salarial de trezentos euros, ficarei muito contente. Mas se logo a seguir encontrar um amigo que teve um aumento de seiscentos, toda a alegria dará lugar a um incontornável abatimento.
A questão é saber porque é que passamos o nosso tempo a comparar tudo - riqueza, saúde, carreira, aspeto, etc. -, apesar de manifestamente se tratar de um processo que conduz mais à infelicidade do que à felicidade? É uma questão a que já se procuraram dar muitas respostas, sobretudo desde que os estudos de Richard Easterlin mostraram que, apesar do aumento do PIB de 200% ou 300% em diversos países, entre os anos cinquenta e setenta do século passado, o "nível de felicidade" declarado pelas pessoas permanece inalterado.
A conclusão de Easterlin (consagrada como o "paradoxo de Easterlin) foi que, quando uma sociedade satisfaz as suas necessidades vitais, o desenvolvimento económico deixa de ter uma influência direta sobre a evolução do bem-estar médio da população, que passa a ser muito mais relativo, conforme os objetivos do contexto. Uma das ideias que decorre destes trabalhos é que o ser humano sofre e se deprime mais com comparações negativas do que se alegra e anima com as comparações positivas. Como se a felicidade fosse tanto mais difícil de viver quanto a adaptação ao que se conquistou é fácil, obnubilando assim o valor do que se obteve. Mas será possível alterar este processo?
Não parece fácil. Sobretudo se tivermos em conta a descoberta feita em 1996 por Giacomo Rizzolatti dos chamados "neurónios-espelho", que condicionam desde o nascimento o funcionamento do nosso sistema psíquico, que se forma como que fotocopiando o dos outros e oscilando entre uma imitação ora mais cooperativa ora mais competitiva.
Isto confirma que a razão pela qual permanentemente nos comparamos com os outros é porque, na verdade, o nosso desejo é determinado pelo que os outros desejam, num inextrincável jogo em que, por um lado, se cruzam a intenção cooperativa e a rivalidade competitiva e, por outro lado, se confundem o desejo mimético e a necessidade objetiva.
E isto passa-se tanto no comportamento individual como no coletivo, na economia como na política. Áreas em que de resto a reincidente conversa sobre os "modelos" a seguir mostra toda a força da imitação e das suas armadilhas. É bom lembrar os modelos que se têm sucedido, num vertiginoso carrossel de devoção e de deceção que já passou pelos modelos americano, sueco, japonês, irlandês, finlandês, etc., antes de se chegar ao alemão!...
O que se passa, como há dias sublinhava Jean-Pierre Dupuy, é que temos dificuldade em aceitar que a economia é movida mais pelo desejo do que pela necessidade. Por um "desejo de ser reconhecido pelos outros, de ser admirado por eles, numa admiração mesclada de inveja - e, disto, nunca se tem que chegue". (Le Monde, 11.6.2013)
E a chave desta dificuldade encontra-se no desconhecimento, na opacidade dos agentes em relação às suas próprias motivações, que se enganam ao "acreditarem que a riqueza lhes trará o bem-estar material que pensam necessário à sua felicidade. A riqueza atrai sobre quem a possui o olhar de cobiça dos outros. Pouco importa porquê, o que conta é o próprio olhar da cobiça. É esse olhar que, sem o saber, cada um mais aprecia. A economia é em suma um jogo de enganos, em que todos são sempre enganados e e cúmplices do engano. Ela é uma imensa mentira do coletivo em relação a si próprio". As armadilhas da imitação, percebemo-lo cada vez melhor, são infindáveis. Mas são talvez elas o que melhor explica - para usar uma expressão de René Girard que fez história - que continue a haver "tantas coisas escondidas desde a formação do mundo".
Manuel Maria Carrilho in dn.pt