Emoções e racionalidade - por Tomás Carneiro

a) Julgo que muita da resistência que temos em atribuir racionalidade a algo como um sentimento emocional
tem origem na vetusta dicotomia que separa razão de emoção, colocando a primeira no lado da mente e a segunda no lado do corpo. Como tal, aquilo que dissermos acerca da racionalidade cognitiva das emoções e das protoemoções reflectirá certamente aquilo que pensamos acerca do problema mente-corpo. Nesse sentido acredito que nada nos diz, ou antes, só a nossa intuição comum nos diz, que um pensamento tem de ser um estado mental abstracto e separado do corpo, e a minha intuição é de que essa intuição comum está errada. Nesse sentido defendo que os seres humanos de alguma forma sentem aquilo que pensam e como tal um pensamento deverá ser entendido como uma espécie de sentimento avaliador corporizado. Tal não implica que se possa falar da racionalidade intrínseca desse sentimento avaliador, pois para isso teríamos de entrar no campo das condições normativas de avaliação, ou seja, das atitudes proposicionais e da rede de crenças e normas do agente. E essas condições de avaliação de racionalidade no sentido normativo só se aplicam intrinsecamente aos agentes como um todo e não a cada um dos seus processos de raciocínio em particular, que apenas podem ser avaliados quanto à sua racionalidade derivada. Ou seja, a racionalidade dos processos de raciocínio dos agentes é derivada de uma avaliação normativa da racionalidade dos agentes. Como tal, a atribuição de racionalidade derivada (no sentido cognitivo) às emoções e atitudes proposicionais assim como às protoemoções, reflecte a opacidade do termo emoção, ou seja, a difusão alargada do fenómeno emocional pelo nosso sistema cognitivo (de estados neurológicos não cognitivos a atitudes proposicionais cognitivas) e pretende encurtar um pouco a distância entre os dois extremos desse sistema, o biológico e o racional, o corpo e a mente. Ao encurtar essa distância estou a tentar eliminar do vocabulário comum (e filosófico) uma vetusta metáfora que identifica o corpo com uma máquina estúpida e cega, sendo o espírito ou a mente aquilo que daria alguma sabedoria e inteligência ao homem. Uma máquina é, de facto, estúpida e cega, no entanto o corpo, mesmo sem ser animado por algum espírito vital, uma anima, é algo orgânico que evoluiu, no âmbito da espécie, por selecção natural ao longo de milhões de anos e, no âmbito do indivíduo, no decurso da sua formação socio-cultural ao longo de algumas dezenas de anos. O nosso organismo possui, como tal, informação e conteúdo. E é exactamente aqui que o corpo se aproxima da mente pois o que distingue os processos orgânico-mentais de outros processos físico-maquínicos (como a digestão e o funcionamento de um termostato) é o facto de aqueles possuírem conteúdo e informação (i.e., alguma forma de semântica) e estes não. 
b) Quanto ao que ficou dito acerca do meta-critério normativo de racionalidade julgo que uma crítica que se pode fazer a esse critério é que, devido à sua necessária confirmação empírica em agentes reais, dificilmente será um critério perene e estável, mas antes volúvel, permeável a infirmação científica, tendencialmente individualizante e dependente do contexto, o que torna bastante trabalhosa a avaliação da racionalidade dos agentes e dos seus processos cognitivos e, além disso, torna problemático o próprio termo critério normativo que temos vindo a utilizar.
Uma resposta possível seria que a questão da avaliação da racionalidade é uma questão que teremos de deixar à nossa própria mecânica cognitiva sub-pessoal para responder. Talvez tenhamos um módulo mental para detectar instintivamente racionalidade e irracionalidade em agentes e acções! Ou tenhamos talvez uma heurística qualquer, ou um tipo de pensamento indutivo mais fiável que qualquer outro juízo ou pensamento dedutivo mais “racional”? Na verdade, tendo em conta a forma como parece que realmente raciocinamos e tomamos decisões, o que teria isto de estranho?
No entanto inclino-me para uma segunda resposta possível. Julgo que a semelhança biológica entre os sistemas com que uma avaliação normativa de racionalidade normalmente se preocupa - os seres humanos - assim como a forma semelhante como esses sistemas evoluíram e os ambientes relativamente estáveis em que estes actualmente se inserem, deve servir-nos de base segura para algumas generalizações normativas quanto à sua racionalidade e irracionalidade.
Assim, um agente com um background totalmente díspar do de outros seres humanos e que, como tal, conduza a acções e reacções completamente diferentes dos outros seres humanos e, além disso, a acções e reacções completamente inadequadas ao seu meio ambiente actual, esse agente, dizia, será um agente irracional e as acções e reacções a que o seu background conduz serão também elas, em alguns agentes mais do que outros, frequentemente irracionais.
Resumindo, e procurando articular a) e b), quando falamos da racionalidade dos processos de raciocínio de um agente (cognitivos ou não cognitivos) estamos a falar de racionalidade num sentido cognitivo, e aqui apenas podemos falar da racionalidade derivada desses processos, uma vez que aferimos a sua racionalidade apenas em função de uma avaliação normativa da racionalidade do agente. Quando falamos da racionalidade do agente falamos de racionalidade num sentido normativo e aqui já podemos falar da racionalidade (ou irracionalidade) intrínseca do agente e para isso temos que ter em conta os seus processos de raciocínio (cognitivos e não cognitivos).
Tomás Carneiro in "Emoções, Protoemoções e Racionalidade", http://ler.letras.up.pt