Propriedades do discurso - por Hermann Parret

Independentemente do modelo, seja ele congeminado em "percurso generativo" (pensemos na gramática generativa de Chomsky ou na semiótica de tipo greimasiano) ou seja ele plano/linear ( como na linguística estrutural ou na lógica aristotélica), deve poder dar conta das seguintes propriedades do discurso.
a) O discurso é "contextualmente" marcado: o discurso é "histórico" no sentido em que o sujeito enunciador está espacio-temporalmente localizado e modificado pelas forças psicossociais que caracterizam uma época. Michel Foucault era particularmente sensível a esta propriedade. Segundo Foucault, o discurso é "um conjunto de regras anónimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram numa determinada época, e para uma área social, económica, geográfica ou linguística dadas, as condições do exercício da função enunciativa". Que a língua (saussuriana) seja "eterna" ou que a forma semi-narrativa seja "transcendental" ( como se pode presumir ao seguir Greimas) distingue de facto definitivamente estas duas entidades do discurso que transportam exemplarmente as marcas da "deixis actorial" (a pessoa), temporal e espacial.
b) O discurso manifesta um conjunto de regularidades e está assim submetido a regras cujo estatuto é necessário determinar. Não se trata de regras gramaticais que governem a boa formação sintáctica das frases; são mais estratégias que se devem tornar aceitáveis pragmaticamente no seio de uma comunidade enunciativa.As regularidades enunciativas são heterogéneas segundo os diferentes tipos de contextos que geram a significação: a relação de um fragmento discursivo com o seu contexto referencial, o seu contexto situacional, o seu contexto psicológico, o seu contexto comunitário é, de cada vez, governada por uma classe de "estratégias" específicas que, no seu conjunto e na sua diversidade continuam comunicáveis e reconhecíveis.
c) O protótipo de toda a discursividade é o discurso dialógico: todo o discurso é em princípio um interdiscurso.
Os discursos no seu isolamento são apenas componentes que encontram a sua identidade sob a alçada do interdiscurso. O sentido discursivo é forçado e modificado pela unidade de sentido mais alargada que pode ser projectada a partir do fragmento em consideração. Todo o discurso é sempre interpelativo ou apelativo, e para mais, é sempre o resultado de uma interpelação ou de um apelo de um outro discurso. O sentido discursivo não se calcula por adição dos sentidos expressos pelas unidades constituintes mas calcula-se a partir do sentido de todos os discursos que funcionam enquanto horizonte do discurso em consideração.
d) este carácter interdiscursivo de todo o discurso não pode fazer esquecer que a relação entre os discursos é uma relação de tradução, não oferecida passivamente mas conquistada em toda a tensionalidade/tensäo e em toda a polémica ( pressupondo por isso uma pluralidade de interpretações ou de traduções possíveis). A comunicabilidade dos discursos não significa toda a ausência de mal entendido, de manipulação ou sobretudo de equilíbrio de forças. Não existe qualquer transparência de princípio no desenvolvimento do interdiscurso: existe apenas uma opacidade polemológica devida à presença da subjectividade enunciante nos seus discursos.
e) As instâncias de enunciação discursadas (no processo da produção de discursos) sob a força determinante do interdiscurso tem a sua fonte, nunca substancialmente presente, mas sempre reconstruida por catélise, para utilizar o termo linguístico de Hjelmslev, na subjectividade enunciante. (ver Enunciação). Não existe discurso sem sujeito (enquanto efeito de discurso) tal como não existe análise de discurso sem reconstrução das condições (subjectivas) de produção e de compreensão dos discursos.
f) Toda a prática discursiva é virtualmente uma prática intersemiótica: não há qualquer incompatibilidade entre diferentes tipos de semioticidade, e é assim que uma interacção de duas ou mais semioticidades compatíveis pode bem caracterizar práticas culturais e artísticas entre as mais densas e as mais complexas: é o fenómeno do sincretismo de códigos (pensemos, por exemplo, no teatro que relaciona diferentes semioticidades, assim como a ópera e, porque não, a "vida quotidiana").
g) Finalmente, apesar de existir heteronímia entre o ambiente ou o contexto gerador e o discurso gerado, não se pode dissociar o interdiscurso e os seus componentes, desse ambiente uma vez que o interdiscurso não é unicamente o resultado dos contextos; é acima de tudo, constituinte de contextualização. Os discursos eles próprios situam os contextos e os ambientes: não são puramente passivos no que se refere aos contextos. 
Hermann Parret in Encyclopédie Philosophique Universelle