As acções humanas - por John Searle

Se pensarmos nas acções humanas, imediatamente descobrimos algumas diferenças notáveis entre elas e os outros acontecimentos do mundo natural. Primeiramente, é tentador pensar que tipos de acções ou de comportamento se podem identificar com tipos de movimentos corporais. Mas isso é obviamente errado. Por exemplo, um e o mesmo conjunto de movimentos corporais poderá constituir uma dança, ou uma sinalização, ou um exercício ou uma testagem dos próprios músculos, ou então nada do que foi dito. Além disso, assim como um e o mesmo conjunto de tipos de movimentos físicos pode constituir tipos de acções completamente diversos, assim também um tipo de acção pode ser realizado por um número de tipos grandemente diferente de movimentos físicos. Pense-se, por exemplo, no envio de uma mensagem a um amigo. Podemos escrevê-la numa folha de papel. Podemos escrevê-la à máquina. Podemos enviá-la por um mensageiro ou por telegrama. Ou então, podemos falar-lhe pelo telefone. E, efectivamente, cada um dos modos de enviar a mesma mensagem poderia realizar-se com uma variedade de movimentos físicos. Poderíamos escrever a nota com a mão esquerda ou a mão direita, com os dedos dos pés ou até, segurando a caneta entre os dentes. Além disso, uma outra característica singular das acções que as faz diversas dos acontecimentos em geral, é que as acções parecem ter preferido descrições. Se vou passear para Hyde Park, há muitas outras coisas que acontecem durante o meu passeio, mas as suas descrições não descrevem as minhas acções intencionais, porque, ao agir, aquilo que eu faço depende em grande parte daquilo que penso que estou a fazer. Assim, por exemplo, estou também a mover-me na direcção geral da Patagónia, sacudindo o cabelo da minha cabeça para cima e para baixo, gastando os sapatos e deslocando inúmeros moléculas de ar. No entanto, nenhuma destas outras descrições parece atingir aquilo que é essencial a propósito da acção, acerca do que a acção é.
Uma terceira característica relacionada das acções é que uma pessoa está numa posição especial para saber o que está a fazer. Não tem de se observar a si mesmo ou encetar uma investigação para ver que acção está a realizar. Ou, pelo menos, tenta realizar. Assim, se alguém me disser: «Está a tentar ir para Hyde Park?», ou «Está a esforçar-se por se aproximar da Patagónia?», não tenho hesitação em fornecer uma resposta, mesmo que os movimentos físicos que faço possam ser apropriados para qualquer resposta. [...]
Resumindo o que disse até agora: existem mais tipos de acção do que tipos de movimentos físicos, as acções preferiram as descrições, as pessoas sabem o que fazem sem observação, e os princípios pelos quais identificamos e explicamos a acção são também parte das acções, isto é, são, em parte, constitutivos das acções.
SEARLE, John (1987). Mente, cérebro e ciência. Lisboa: Edições 70