A Ética Kantiana

O que é uma acção moralmente válida? Diremos imediatamente que é uma acção que cumpre o dever ou evita infringi-lo. Quando dizemos a verdade em vez de mentir;quando não cometemos qualquer fraude na declaração de impostos; quando socorremos os necessitados ou não nos apossamos de bens alheios estamos a agir bem, a fazer o que é devido. Mas será que agir bem, cumprir o dever - o que é sempre louvável - é suficiente para que uma acção seja moralmente válida? Kant diz que não.
Então o que é, para Kant, uma acção moralmente válida?
É uma acção em que cumprimos o dever - isso é importante - por dever - isto é mais importante. O que quer dizer cumprir o dever por dever? Significa cumprir o dever tendo como único e exclusivo motivo o respeito pelo dever, isto é, o cumprimento do dever é um fim em si mesmo.
Exemplifiquemos: há uma norma moral que me diz que não devo mentir.
Suponhamos que na minha declaração de impostos não cometo qualquer fraude, não falsifico qualquer dado. É claro que cumpro o dever de não mentir.
Imaginemos que cumpri o dever de não mentir por receio de ser preso, por não querer ser alvo de uma investigação fiscal, para não ver a minha reputação prejudicada. Não cometendo qualquer fraude, cumpri o dever de não mentir.
Contudo, não cumpri o dever por dever. Porquê? Porque não mentir foi um meio para evitar situações desagradáveis: cumpri o dever por medo, por receio, por interesse em evitar problemas.
Não respeitei incondicionalmente a norma que proíbe a mentira. Se dissesse a mimmesmo "Não devo mentir porque é meu dever não mentir" estaria a cumprir o dever sem dar importância a mais nada: cumpriria o dever por dever. Ora, o que concluir do exemplo dado? Disse a mim próprio: "É do meu interesse cumprir o dever." Agi em conformidade com o dever, fiz o que era devido, mas o motivo que me levou a agir conforme ao dever não foi pura e simplesmente cumprir o dever. Quando cumprimos o dever sem qualquer outro motivo a influenciar-nos a não ser a vontade de o cumprir estamos, segundo Kant, a aqir de uma forma moralmente válida.Melhor dizendo, esta é a única forma de agir que Kant considera moralmente válida.
Por outras palavras, o que está Kant a dizer-nos? Que para avaliar a moralidade de uma acção o que conta é a intenção de quem age. O que nos motiva a cumprir o dever é, para a ética kantiana, o problema decisivo. Não se trata simplesmente de cumprir o dever, mas sim de como cumprir o dever.
As normas morais vigentes numa determinada sociedade dizem-nos que deveres cumprir ("Não matarás!"; "Não roubarás!"; "Não mentirás!"), mas não como cumprir esses deveres, qual a forma válida de os cumprir.
Onde encontrar o princípio que nos diz como devemos cumprir o dever?
Na nossa consciência de seres racionais que se reconhecem dotados de liberdade.Que princípio é esse? Kant dá-lhe o nome de lei moral.
A lei moral diz-nos: "Deves absolutamente e em qualquer circunstância cumprir o dever pelo dever." Como se vê, a lei moral exige um absoluto e incondicionalrespeito pelo dever. Assim, é nosso dever não matar por absoluto respeito pela dignidade e valor da vida humana e não por causa dos problemas que a infracçãodesse dever acarretaria.
Dizendo-nos a forma como devemos agir ao cumprir o dever, a lei moral é, para Kant, uma lei puramente formal. Não dá regras concretas e particulares de acção,mas exige que as nossas acções boas tenham sempre uma determinada forma. Tal exigência é absoluta: deve-se cumprir o que a lei moral ordena por puro e simples respeito por ela. Isto quer dizer que a lei moral é um imperativo categórico e não umimperativo hipotético.
Um imperativo hipotético é uma ordem condicionada. A sua forma geral é esta: Se queres (A) deves fazer (B). Em termos mais concretos: «Senão queres terproblemas não ofendas os teus vizinhos.» O cumprimento do dever não é exigido por si mesmo. É um meio para um fim. "Não ofender os vizinhos" é a ordem que se deve cumprir para evitar problemas. Se é meu interesse evitar aborrecimentos e quezílias com os meus vizinhos não devo ofendê-los.
O imperativo categórico é uma ordem que não está submetida a condições: ordena que se cumpra o dever tendo em conta simplesmente o dever ("Não deves ofender os teus vizinhos porque esse é o teu dever"). O cumprimento do dever é exigido como fim em si mesmo (sem esperar nada em troca).
Façamos o ponto da situação:
1
Há normas que constituem deveres ou
obrigações morais (não roubar, não matar,
etc.),
2
A lei moral não é nenhuma destas normas,
mas exige algo. O quê? Que ao cumprirmos
essas normas (ao cumprir o dever) o façamos
tendo como única intenção cumprir o
dever.
(A lei moral é o imperativo que ordena:
deves sempre cumprir o dever por dever).
3.
A lei moral diz-nos, portanto, como cumprir o
dever, de que forma o fazer. Não admite que
cumpramos o dever por interesse ou por qualquer
outro motivo que não o respeito pelo
dever.
4.
Por conseguinte, a lei moral é um imperativo
categórico (incondicional) e formal.
Categórico ou incondicional porque exige o
absoluto respeito pelo dever. Formal porque
não diz quais são os nossos deveres, mas sim
a forma como os devemos cumprir quando
os cumprimos.

O sentimento de respeito absoluto pelo dever é o único sentimento que Kant admite no plano moral. Todos os outros sentimentos, inclusive o amor, a compaixão, a amizade, a própria satisfação ou sentimento de prazer que experimento ao agir bem, contaminam a validade moral da acção. Não são motivos censuráveis, mas não podem ser admitidos como princípios que nos determinem a cumprir o dever: o dever só deve ser cumprido tendo-o a ele como único princípio determinante do agir. Por que razão se apresenta a lei moral sob forma categoricamente imperativa? Porque no ser humano a razão convive com a sensibilidade. Ora, esta é a sede das inclinações (interesses, paixões, desejos egoístas) que são um obstáculo ao cumprimento absoluto do que a lei moral exige.A lei moral, enquanto imperativo categórico, indica-nos que características devem possuir as diversas normas morais para que tenham forma racional, isto é, sejam princípios objectivos (normas que devem valer para todos os seres racionais).
Assim, uma norma de acção só tem validade moral se for dotada de universalidade.
"Age segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal."
Por máxima entende Kant o princípio subjectivo segundo o qual um dado agente tenciona agir. Imaginemos que alguém precisa urgentemente de dinheiro. Pede-o emprestado e promete devolvê-lo sem ter, contudo, a intenção de cumprir essa promessa. A máxima segundo a qual age é esta: «Sempre que preciso de dinheiro devo fazer a falsa promessa de devolver o dinheiro que peço emprestado.»
Posso universalizá-la? Será que ela resiste a esta pergunta: "E se toda a gente agisse como eu?". A consequência óbvia de todos fazerem falsas promessas seria a de ninguém confiaria em ninguém. Prometer seria um acto sem sentido se toda a gente que fizesse promessas não tivesse intenção de as cumprir. Se a máxima referida fosse universalizada a pessoa a quem prometo devolver o dinheiro emprestado não acreditaria que eu cumprisse tal promessa. Assim, o imperativo categórico estabelece qual a forma que uma norma deve ter para que seja uma norma moral: deve poder ser universalizada, valer sem As acções conformes ao dever são acções boas (não são imorais), mas nem todas são moralmente válidas, isto é, nem todas respeitam absolutamente o dever: é o caso, segundo Kant, quando cumprimos o dever ou por interesse ou por inclinação imediata.
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