A vida agendada - M.E.C.

Estou a gostar muito de recuar no tempo. Fui comprar roupa a uma loja materializada em Lisboa em que pude experimentar dezenas de casacos, ver-me ao espelho e ser aconselhado por um sábio vendedor.
2014 é o ano em que voltei à agenda escrita. Escreve-se mais depressa com uma caneta do que com um teclado e, espantosamente, não se dão erros de ortografia por bater na tecla errada.
Numa página vejo todos os afazeres da minha semana numa letra dita personalizada: a minha. Vivi com agendas durante décadas. Não percebo agora porque as troquei pelo iPhone.
Esta agenda não emite sons irritantes a lembrar-me que faltam 5 minutos para ir comprar peixe. Não recebe recados de ninguém. Nem lá podem ir parar calendários alheios.
Quando acabar o ano ficarei com uma lembrança, encadernada e escrita das coisas que fiz em 2014. Bem sei que o iPhone tem mais memória mas estar a rever o ano usando os dedos para passar o ecrã de mês para mês não tem a mesma graça.
Uma agenda precisa de uma folha de mata-borrão, já que salta de página em página, escrevendo marcações. Cortei uma ao tamanho, para ficar a marcar a página onde estou.
No iPhone só deixo as consultas e outras coisas importantes, para não me poder esquecer delas. Despromovi-o a despertador.
Cada vez uso menos o telemóvel e cada vez me sinto mais livre e contente. E o meu mundo não só não desabou como melhorou qualitativamente. Já não era sem tempo. Que estranha frase esta última. Que quererá dizer?
Miguel Esteves Cardoso in Público