Dualismo sujeito-objecto

O conhecimento acontece como produto da relação dialéctica entre o sujeito e o objecto. Mas dizer que o conhecimento é o produto de uma relação dialéctica entre dois termos pressupõe que esses termos são entre si irredutíveis. Isto é, nunca o objecto se identifica absolutamente com o sujeito, nem este com o objecto.
Explicitemos alguns aspectos desta relação dialéctica entre sujeito e objecto que constitui o acto de conhecimento.
1. O conhecimento é o acto no qual o sujeito e o objecto entram em relação e dessa relação resulta a afecção do sujeito pelo objecto e a apreensão do objecto pelo sujeito. Quer dizer: o sujeito é de algum modo modificado ou estimulado pelo objecto ou pelas suas propriedades e o objecto é de algum modo apreendido pelo sujeito de acordo com as capacidades cognoscitivas deste.
2. Não é o objecto mesmo, mas sim uma sua imagem ou representação aquilo que o sujeito apreende. Essa imagem tem de ter alguma relação com o objecto, mas não é o objecto mesmo: este é exterior ao sujeito e tem existência física e material autónoma, ao passo que a imagem tem existência mental e é imanente ao sujeito.
A consciência da distinção entre imagem e objecto de que é imagem pode ser-nos acessível na experiência do erro. Muitas vezes nos ocorreu estarmos convencidos de que conhecíamos bem uma coisa e mais tarde advertimos que essa coisa era diferente daquilo que pensávamos.
A imagem refere-se ao objecto, mas este não se reduz às imagens que dele temos. Por isso, não só são possíveis diferentes imagens e representações consoante os diferentes sujeitos, mas também são possíveis representações mais objectivas ou menos objectivas. Nunca, porém, representações que coincidam totalmente com os objectos que representam.
3. A representação do objecto enquanto objecto conhecido é, pois, em larga medida uma construção do sujeito. Mas não uma construção arbitrária. É uma construção segundo o modo de percepcionar e de conhecer do sujeito e segundo o modo como este é afectado pelo objecto ou pelas propriedades deste.
Afirmar isto não significa dizer que então todo o conhecimento é relativo e absolutamente subjectivo. Estamos a falar do sujeito humano e os humanos têm um modo de percepcionar e conhecer que obedece aos mesmos pressupostos: por isso é possível entenderem-se quando trocam entre si as suas representações que se referem aos objectos ou a realidades que sabem ser exteriores a si próprios.
E, excluindo casos extremos de patologia perceptiva, o sujeito sabe distinguir quando a sua imagem é objectiva (isto é, corresponde às propriedades do objecto por ele captadas) e quando é meramente subjectiva, arbitrária ou ficcional.
Por conseguinte, a actividade do sujeito na construção da representação do objecto não exclui, mas antes exige, a transcendência do objecto em relação à consciência que o representa e a transcendência do objecto, considerado em si mesmo, relativamente ao objecto enquanto conhecido (ou seja, à sua representação na consciência).
4. É na consciência desta diferença e desta transcendência que se torna possível o progresso do nosso conhecimento, mesmo o do conhecimento científico. Mesmo este é sempre uma construção semi-subjectiva e semi-objectiva, em parte dependente do sujeito e em parte dependente do objecto. Mas nunca se alcança a objectividade absoluta; isto é uma representação da realidade tal que coincida com a realidade mesma tal como ela é. O conhecimento é um processo e por isso admite não só progresso, mas também saltos, variações de perspectiva, mudanças de paradigmas.
Esta condição do conhecimento como processo verifica-se tanto no plano fenomenológico (da experiência do acto cognitivo), como no plano ontogenético, consoante no-lo mostrou a psicologia genética de Jean Piaget, como ainda no plano filogenético, ou seja, na perspectiva da evolução histórica do conhecimento e em especial do conhecimento científico no decurso da história da espécie humana.