A estética transcendental de Kant

Esta parte da Crítica da Razão Pura tem o nome de Estética (do grego aisthésis que significa sensação) transcendental (significa condição de possibilidade a priori de algo) porque investiga as condições a priori que tornam possível a recepção de impressões sensíveis ou sensações.
Essa investigação chegou a várias conclusões importantes:
1 — Todo o conhecimento começa com a experiência.
Para conhecermos é preciso que algo nos seja dado. Ora é a intuição que nos dá objectos, ou seja, algo para conhecer. Toda a nossa intuição é sensível consistindo na recepção de dados empíricos ou impressões sensíveis mediante duas formas que temos de as receber: o espaço e o tempo. A experiência é precisamente esta recepção, espácio-temporalmente condicionada, de dados empíricos. Sem ela nada teremos para conhecer, não haverá objectos para o nosso conhecimento. Por isso todo o conhecimento começa com ela.
2 — Espaço e tempo não são coisas nem impressões sensíveis.
São as formas que tenho de "falar" das coisas e de organizar ou relacionar as impressões sensíveis. São, portanto, formas do sujeito (da sensibilidade do sujeito) que lhe permitem intuir os objectos. Só há experiência ou intuição empírica das coisas porque no sujeito há duas formas (espaço e tempo) que permitem receber as impressões sensíveis.
3 — Espaço e tempo são formas "a priori".
Como tornam possível a experiência ou a intuição sensível não derivam desta. Sendo "a priori", espaço e tempo são, portanto, também estruturas transcendentais, o que significa que são a condição de possibilidade não empírica de qualquer experiência.
Segundo Kant, a intuição corresponde a uma relação imediata com as coisas e verifica-se quando algum objecto nos é dado. Isto significa que intuir é a capacidade de receber deteminados dados. Portanto, a intuição humana não é criadora ou produtora das coisas com as quais se relaciona. Se a intuição é uma capacidade receptiva, temos de perguntar em que condição é possível a recepção dos dados. Só o é se estivermos "equipados" com determinadas estruturas receptivas, isto é, se houver em nós determinadas formas de recepção. A essas formas dá Kant o nome de espaço e tempo. Espaço e tempo são formas a priori da sensibilidade, não derivam da intuição das coisas, mas são a condição que torna possível essa intuição.
Espaço e tempo são assim a forma e não o conteúdo da intuição, no sentido em que sem elas não poderíamos estabelecer qualquer relação entre aquilo que nos é dado, ou seja, a recepção dos dados não faria sentido.
Assim, de um lado temos as impressões sensíveis (a que Kant chama a matéria do fenómeno) e do outro a forma de receber essas impressões e de as relacionar (a forma do fenómeno). Os dados ou impressões sensíveis são aquilo que intuímos e o espaço e tempo são a forma como intuímos. Assim, o fenómeno será o dado sensível, espacializado e temporalizado.
4 — Embora dotada de formas a priori, a sensibilidade define-se como capacidade receptiva das impressões mediante certas condições.
As formas da sensibilidade são o modo de recepção dos objectos, melhor dizendo, das impressões que as coisas provocam, são os quadros da receptividade. São o contributo do sujeito na constituição da intuição sensível. Se relacionar as impressões em termos espácio-temporais denota uma certa actividade, é, contudo, a receptividade que caracteriza propriamente a sensibilidade.
5 — Intuímos as coisas simplesmente como elas nos aparecem, e não em si.
A intuição possível ao homem é a captação das impressões, das propriedades das coisas que posso expressar em termos espácio-temporais. Em linguagem kantiana, a sensibilidade intui fenómenos, aquilo que se pode enquadrar no espaço e no tempo e não as coisas em si (fora das coordenadas espácio-temporais). Temos assim estabelecida uma distinção fulcral da filosofia kantiana: a distinção fenómeno-coisa em si.
6 — Os juízos sintéticos a priori são possíveis em Matemática porque o espaço e o tempo são intuições a priori ou formas a priori da sensibilidade.
Todos os juízos da Matemática são construídos com base no espaço (geometria) e no tempo (a série numérica 1,2,3 baseia-se na sucessão temporal: 2 depois de l e antes de 3, ou seja, o número surge pela adição sucessiva da unidade no tempo). Versando os juízos matemáticos sobre o espaço e o tempo e sendo estes estruturas a priori do sujeito, i. e., independentes da experiência, esses juízos podem ser universais e necessários, não dependentes da intuição empírica quanto à sua validade.
Exemplo no caso da Geometria: "A linha recta é a distância mais curta entre dois pontos." Este juízo é sintético (no conceito de linha recta — conjunto de pontos alinhados — não está contida a ideia de distância) e a priori (é verdadeiro sem que seja preciso medir todas as distâncias, i. e., sem que seja necessário recorrer à experiência. Por isso é universal e necessário, supondo, já que fala de distância, a intuição a priori do espaço).
in http://filosofia.platanoeditora.pt/