Dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento - Kant

Segunda Secção 
DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL DOS CONCEITOS PUROS DO ENTENDIMENTO 
§15 
DA POSSIBILIDADE DE UMA LIGAÇÃO EM GERAL

O diverso das representações pode ser dado numa intuição simplesmente sensível, isto é, que não seja mais do que receptividade, e a forma desta intuição pode encontrar-se a priori na nossa capacidade de representação, sem que seja algo diferente da maneira como o sujeito é afectado. Simplesmente, a ligação (conjunctío) de um diverso em geral não pode nunca advir-nos dos sentidos e, por consequência, também não pode estar, simultaneamente, contida na forma pura da intuição sensível, porque é um acto da espontaneidade da faculdade de representação; e já que temos de dar a esta última o nome de entendimento, para a distinguir da sensibilidade, toda a ligação, acompanhada ou não de consciência, quer seja ligação do diverso da intuição ou de vários conceitos, quer, no primeiro caso, seja uma intuição sensível ou não sensível, é um acto do entendimento a que aplicaremos o nome genérico da síntese para fazer notar, ao mesmo tempo, que não podemos representar coisa alguma como sendo ligada no objecto se não a tivermos nós ligado previamente e também que, entre todas as representações, a ligação é a única que não pode ser dada pelos objectos, mas realizada unicamente pelo próprio sujeito, porque é um acto da sua espontaneidade. Aqui facilmente nos apercebemos de que este acto deve ser originariamente único e deverá ser igualmente válido para toda a ligação e que a decomposição em elementos (a análise), que parece ser o seu contrário, sempre afinal a pressupõe; pois que, onde o entendimento nada ligou previamente, também nada poderá desligar, porque só por ele foi possível ser dado algo como ligado à faculdade de representação.
Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985