
1.1. O MÉTODO INDUTIVO – CRÍTICAS
A descrição feita pelo indutivismo ingénuo do método científico pode ser assim apresentada:
1.º Momento: A observação.
Começamos por observar e registar os factos de um modo objectivo. "Observação objectiva" significa: observar com o espírito liberto de preconceitos, de interpretações ou ideias preconcebidas. Um bom registo observacional é registo do facto tal como ele é, é um registo do facto em bruto.
2.º Momento: A generalização.
Das observações passamos gradualmente à generalização, isto é, a regras ou leis que explicam ou dão conexão aos factos observados. A gradual idade desta passagem é assegurada pelas repetições de observações. À força de a conexão se repetir, ela impõe-se ao nosso espírito, tornando-se conhecida.
Nesta descrição, o sujeito é passivo: o sujeito chega à verdade acolhendo os factos,deixando a regra manifestar-se através das repetições. Chegamos à verdade, porque ela chega a nós; a verdade revela-se. É importante verificar que nesta forma de indutivismo as hipóteses não têm qualquer papel de relevo.
O indutivista ingénuo sabe, claro, que uma grande actividade pode ser necessária tanto no dia-a-dia como no seu laboratório, para encontrarem certas verdades. Mas essa actividade seria exterior ao discurso científico: tal actividade visaria apenas pôr-nos nas condições em que a verdade se revela.
CRÍTICAS AO INDUTIVISMO INGÉNUO
1 - As observações mais produtivas fazem-se no quadro de teorias científicas ou projectos de investigação sem os quais as observações seriam totalmente cegas: da infinidade dos aspectos do mundo quais seriam os relevantes e os irrelevantes? Quais são os que constituem problema?
2 - As teorias mais produtivas requerem uma grande dose de imaginação que, aliada ao cálculo e ao raciocínio, ultrapassa, com frequência, tudo o que já foi observado. De que observações directas teriam extraído os antigos a verdade "a Terra é redonda"? E de que observações directas se extrairia uma relação matemática entre fenómenos?
O INDUTIVISMO REFLECTIDO OU SOFISTICADO
Objecções semelhantes às que apontámos ao indutivismo ingénuo levaram ao seguinte raciocínio: dado que a verdade dos enunciados explicativos não é dada directamente, então eles devem primeiro ser sugeridos pelos factos, o sujeito tem,mediante certos processos, por exemplo, analógicos, de supor, conjecturar uma explicação e depois deve voltar aos factos para a verificar.
A grande diferença entre o indutivismo sofisticado e o indutivismo ingénuo reside no facto de este último assumir a necessidade e importância das hipóteses. De facto, é inegável que, em qualquer momento do seu desenvolvimento, a ciência inclui hipóteses, muitas delas ainda com débeis níveis de confirmação.
1. OBSERVAÇÃO
Ainda que as observações fortuitas, ocasionais, desencadeiem, por vezes, importantes descobertas científicas, a observação científica deve ser rigorosa,metódica e orientada para a resolução de problemas. A objectividade das observações deve ser garantida pelo uso de instrumentos e medidas rigorosas. Deverão, sempre que possível, ser quantificadas.
2. HIPÓTESE
Classificam-se, comparam-se e reorganizam-se os dados registados em ordem à detecção de relações constantes (leis) entre esses factos. O objectivo é estender, a título de hipótese, tais generalizações a todos os factos do tipo dos observados.
VERIFICAÇÃO
Dado que o âmbito da lei ou generalização ultrapassa sempre o dos dados da observação, ela tem que ser submetida a testes – entendidos como processos de certificação e verificação. As hipóteses raramente são testadas directamente, pela simples razão lógica de que elas são leis universais e a experiência incide sobre particulares. A passagem aos testes faz-se mediante a previsão ou predição de consequências dedutivas da hipótese em circunstâncias que deverão ser depois objecto de novas observações ou de montagens experimentais. O sucesso das predições num número razoável de experiências atesta a verdade (pelo menos, provisória) da hipótese – que, nesse caso, passa a designar-se simplesmente de lei.
Claude Bernard, médico e fisiólogo francês, é conhecido não só pelas suas importantes experiências em biologia, como pela reflexão sobre o método experimental. Ele mesmo deu o seguinte exemplo de descoberta que enquadrou no método experimental:
Observação: Constatou que os coelhos trazidos do mercado têm a urina clara e ácida, característica dos animais carnívoros.
Hipótese: Como sabia que os coelhos têm a urina turva e alcalina, por serem herbívoros, supôs que aqueles coelhos não se alimentavam há muito tempo e se transformaram, pela abstinência, em verdadeiros carnívoros, vivendo do seu próprio sangue, e que o mesmo se passaria com outros animais.
Verificação: Fez variar o regime alimentar dos coelhos, dando a alguns alimentação herbívora e a outros carnívora; repetiu a experiência com um cavalo. No fim, estava certificada a lei: "Em jejum todos os animais se alimentam de carne."
1. É erróneo supor que começamos pelas observações.
O indutivista também reconhece que as observações mais eficazes se fazem no quadro de teorias e de técnicas de observação que, claro, envolvem já conhecimentos muito complexos, mas supõe que, em última análise, na base desses conhecimentos está a observação. O argumento, que parece convincente, é de que, se o nosso conhecimento é relativo a factos, então ele não pode começar por teorias – tem de começar por um primeiro contacto com os factos.
a) razões lógicas:
Popper ensaiou a seguinte redução ao absurdo da origem observacional do conhecimento:
«O facto de a observação não poder preceder todos os problemas pode ser ilustrada por uma simples experiência que eu gostaria de levar a cabo, com a vossa permissão, tendo-vos como sujeitos experimentais. A minha experiência consiste em pedir-vos que observem aqui e agora. Espero que estejam todos a cooperar e a observar! No entanto receio que, pelo menos, alguns de vocês, em vez de observarem, sintam forte urgência em perguntar: "O que quer que eu observe?"
[…] Em ordem à observação, nós devemos ter em mente uma questão definida que podemos ser capazes de decidir pela observação. Darwin sabia isto quando escreveu: "Como pode suceder que ninguém veja que toda a observação deve ser ou por ou contra algum ponto de vista... "» Popper
Sem teorias prévia, a observação carece de qualquer orientação. As conjecturas (teorias ou expectativas) são logicamente anteriores às observações.
Retomando o exemplo dado por Claude Bernard, Popper diria que a observação só foi cientificamente produtiva, porque o facto observado entrou em conflito com as expectativas do observador, criando um problema.
b) razões biológicas:
Para Popper o conhecimento consiste na capacidade para resolver problemas e na solução efectiva dos mesmos. Ora, este é um processo inerente a todos os seres vivos;conhecimento não se refere apenas a representações, é um facto biológico. De acordo com esta ideia, sustenta que todos os seres vivos nascem com diferentes teorias,entendidas como conjunto de expectativas sobre o comportamento da realidade e meios de selecção de estímulos e processamento dos mesmos. O conhecimento humano acrescenta a este facto vital a linguagem que lhe dá uma maior plasticidade: se quase todos os animais são capazes, pela pressão dos erros detectados, de modificar e aperfeiçoar as suas teorias ou disposições inatas, o homem é capaz de o fazer em maior grau.
Diz Popper:
Da amiba a Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo:tentamos resolver os problemas e obter, por um processo de eliminação, algo aproximadamente adequado às nossas soluções-tentativa.
2. As hipóteses não são, em nenhum sentido, extraídas dos factos.
A crítica feita ao indutivismo ingénuo é aqui retomada. Os factos só podem sugerir teorias a um sujeito capaz de mobilizar os seus conhecimentos (teorias e capacidades)para construir a conjectura que soluciona o problema suscitado pelo confronto entre os factos e as suas teorias .
. As hipóteses são produto da cooperação do raciocínio e da imaginação. Têm de ser criadas, inventadas. Neste aspecto o trabalho do cientista é semelhante ao da criação artística. Com uma diferença: o cientista é tão livre para criar hipóteses como o artista, mas, ao contrário deste último, tem de submeter as suas criações a testes críticos.
3. As hipóteses não são verificáveis.
Popper retoma o argumento céptico contra a impossibilidade de demonstração completa de qualquer proposição. A exigência de uma demonstração absoluta conduz ao retrocesso infinito ou à petição de princípio.
Argumenta ainda que as leis ou hipóteses científicas exprimem-se ou tendem a exprimir-se na forma de enunciados universais, enunciados que referem um número indefinido ou mesmo infinito de casos particulares possíveis. Assim, de um ponto de vista lógico, todos esses casos deveriam estar confirmados para a lei ou hipótese poder ser dada como verificada - e isso é manifestamente impossível.
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