O continuísmo sofisticado de P. Duhem

"Todo o trabalho consagrado por Duhem ao estudo da ciência antiga e medieval, visa a eliminação do mito da Renascença, do mito da constituição ex-nihilo do saber científico clássico, pela rejeição das filosofias religiosas e da teologia. É necessário pois estabelecer que os conceitos que honram a ciência moderna, foram enunciados, formados, pré-constituídos na Idade Média;" (pag. 84)
'O estudo das origens da Estática levou-nos (...) a uma conclusão: à medida que fomos avançando nas nossas investigações históricas e em direcções mais variadas, esta conclusão impôs-se ao nosso espírito com uma força crescente. Assim, ousamos formulá-la na sua forma mais generalizada: a ciência mecânica e física, de que se orgulham os tempos modernos, decorre, através de uma série ininterrupta de aperfeiçoamentos quase imperceptíveis, das doutrinas professadas nas escolas da Idade Média; as pretensas revoluções intelectuais não foram, a maior parte das vezes, senão evoluções lentas e longamente preparadas; as supostas renascenças, apenas foram reacções, frequentemente injustas e estéreis; o respeito pela tradição é uma condição essencial do progresso científico.'(O.C., tomo I: 111)
Deste texto extrai-se uma primeira tese que se refere directamente à história das ciências: não existem nesta história nem revoluções nem rupturas. A História de uma ciência é uma evolução, e esta evolução é lenta. (...) A caracterização da evolução por Duhem fornece a regra do trabalho do historiador: mostrar o que, numa obra científica de determinada época, é fruto natural do passado, indicando também os germes do futuro." (84-85)
(...)
Duhem ainda acrescenta à sua tese: a aceleração do curso da história não faz desaparecer a continuidade, ela simplesmente "condensa" a evolução (p. 386). Por outro lado, se não existe revolução, não há origem do saber científico, o que significaria uma primeira ruptura. Numa outra linguagem: se não há um refundir no curso do devir de uma ciência constituída, não há ruptura instauradora da ciência. A continuidade interna da história da ciência implica também a continuidade do saber científico e do conhecimento vulgar." (pag. 86)
Michel Pécheux e Michel Fichaant in Sobre a História das Ciências