O ranking viral

Nas últimas semanas tornou-se viral na Internet um ranking organizado com base em dados do Fórum Estudante que dava conta dos dez cursos superiores a evitar. Ou seja, os cursos do ensino superior que, neste momento, terão menos saída profissional. A liderar, a filosofia.
Não é difícil perceber porquê, de tal forma se propagou que seria uma disciplina dispensável, sem utilidade prática, seja lá o que isso for, em contra corrente com a retórica da eficiência, da velocidade e do fazer, como se saber pensar e ter uma visão do mundo fosse dispensável. A perversão é que são rankings destes que alimentam ideias erróneas.
Paradoxos do nosso tempo. Fala-se de empreendedorismo. De flexibilidade. De iniciativa. A ideia que cada um pode criar a sua própria saída profissional. E ao mesmo tempo publicita-se um padrão simplificador do que cursar, não deixando essa descoberta aos alunos e promovendo a ideia que estudar é o mesmo que formação profissional.
Poderão existir alguns cursos que, depois de completados, poderão abrir um maior leque de possibilidades profissionais, comparativamente a outros. Mas também não é menos verdade que os cursos são em muito o que cada um quer, ou consegue fazer, deles.
Por outro lado não deixa de ser irónico constatar que em Portugal se adoptam os modelos que hoje em dia são colocados em causa nos países que queremos copiar – principalmente, os do Norte da Europa – e olvidamos as teses que começam a vingar. Estamos sempre atrás.
É que nesses países que tanto nos esforçamos por imitar, o especialista que amplia o seu saber numa área híper-específica, deixando na sombra as restantes, tem cada vez menos lugar. Hoje as melhores empresas querem pessoas que trabalhem com conceitos, que tenham dimensão humana, visão, mundo, sendo capazes de desenvolver um pensamento crítico transversal. Não é uma verdade universal, mas a formação mais especializada são essas empresas que a fornecem, não as universidades.
É verdade. Há filósofos e gente da área das humanidades a liderar empresas, porque desenvolvem pensamento crítico, cruzam saberes, entendem a complexidade onde se inserem. Em Portugal ainda todos querem ser engenheiros disto ou daquilo, mas hoje, cada vez mais, é necessário regressar a um saber mais vasto, cruzando-o e partilhando-o.
Os engenheiros são magníficos. Nada contra. Precisamos deles. Mas se queremos novos mundos para o mundo, também necessitamos de quem tenha um conhecimento geral da vida, da política, da arte, da ciência, porque estudar é, antes de mais, formação pessoal.
Um estudo recente da Universidade Católica (“Literacia social: os valores como fundamento de competência”) alertava para o tipo de educação que está a ser incitada, concluindo que os portugueses com mais habilitações são os que dão menos importância à solidariedade, justiça e valores democráticos. Avisava também para o facto de estarmos a formar profissionais que dominam bem as técnicas de cada área, com currículos cada vez mais específicos e técnicos, mas onde a dimensão humana e relacional é descurada.
Conclusão do estudo: as prioridades do sistema educativo estão totalmente erradas. O ranking viral dos cursos a evitar, mesmo não sendo essa a sua intenção, acaba por reflecti-lo também.
Vítor Belanciano in publico.pt