Os homens podem nascer livres, mas não nascem cidadãos

Segundo Toqueville, o meio mais eficaz para interessar as populações pelo bem-estar e progresso do seu país consiste em fazê-las participar no governo. Já Benjamin Barber afirma que «se não confiarmos nas pessoas e as considerarmos pouco ‘avisadas’ para governar, devemos proporcionar-lhes experiências e ultrapassar essa ignorância permitindo-lhes governar. Mas, nós não damos essa oportunidade aos cidadãos. Não lhes damos possibilidades e experiência para aprenderem a governar, pois consideramos a política e a cidadania como “artes inatas”. (…)
Os homens podem nascer livres, mas não nascem cidadãos. A cidadania é algo que se aprende e para isso é necessário ter poder e autoridade para governar e até para cometer erros. Aceitamos que os nossos políticos cometam inúmeros erros, mas não o permitimos aos cidadãos comuns. Se lhes é dado algum poder e cometem um erro, dizemos imediatamente: “Vejam, a democracia falhou! Não funciona!” Vamos devolver o poder aos políticos, aos especialistas, aos burocratas!» (…)
Não obstante, foram os políticos – assessorados pelos novos iluminados do século XX e XXI, os economistas – que nos conduziram até aqui… e as soluções apontadas por ambos parecem já não entusiasmar o comum dos cidadãos. Aliás, as resoluções para a crise em que vivemos à mais de uma década são tão díspares e por vezes, sem substância, que a confiança nestes actores da democracia atingiu hoje níveis tão baixos que chegam mesmo a ser inquietantes. Então, como sair daqui?
Por vezes, não é necessário ser muito original, não é necessário refazer tudo, mas fazer diferente, isto é, se recordarmos a célebre afirmação do Maio de 68 que proferia «é proibido proibir», hoje, (no início da segunda década do século XXI) talvez seja melhor substitui-la pela afirmação “é permitido proibir”, nomeadamente, proibir que quem controla o poder político seja o poder económico-financeiro, ou melhor, os chamados “mercados”, sabe-se lá com que interesses…, que o fosso entre ricos e pobres aumente descaradamente, que a irresponsabilidade ética e legal e o desgoverno da coisa pública seja prática comum, que os partidos políticos tomem conta do destino dos cidadãos que cada vez mais se alheiam dos mesmos, que a inércia ou letargia na justiça seja a sua actividade quotidiana, que a educação esteja nas mãos de tecnocratas ou demagogos que apenas se preocupam com números e não com o concreto que é a realidade aluno-professor-comunidade, que a saúde seja gerida por multinacionais que demandam somente o lucro, que os ataques ambientais proliferem à escala global sem que os culpados sejam severamente responsabilizados, que as guerras ainda se façam em nome de pseudo-ideais, … resumindo, que a democracia seja comandada por homens que não são livres mas que estão comprometidos com quaisquer interesses que não seja a defesa do bem comum!
Alguns dirão que é talvez a hora de retomar o ideal grego de democracia directa, até como forma de legitimar aquelas que são as decisões difíceis que se avizinham…

M. A. Palma Costa in rotasfilosoficas