Soneto do amor e da morte (a lembrar Vasco Graça Moura)


quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"



"Fui surpreendido, há pouco, pela notícia da morte do Vasco Moura. Ao que percebo, pelos despachos das agências, por um cancro que o foi consumindo aos poucos. Foi como um soco no estômago.
O Vasco Graça Moura era um dos intelectuais mais enxutos e prolixos da direita portuguesa, um homem de valores e de convicções, de antes que quebrar que torcer. Incapaz de se comprometer no jogo torpe da política, o Vasco, como era tratado, com ternura, pelos amigos, tinha sempre a capacidade de dizer o que pensava na cara das pessoas e não pelas costas. E talvez por isso tinha muitos amigos ao longo de todo o espectro político-partidário.
Era de uma raça rara nos intelectuais, os que têm traços aristocráticos que não resultam de linhagem ou de títulos nobiliárquicos mas da elevação do espírito, da inteligência, da capacidade de verem mais longe que os outros, de sentirem o país e nação melhor que todos os outros.
Nos grandes combates pela democracia portuguesa o Vasco esteve sempre do lado certo. Com o General Ramalho Eanes contra os comunistas e os putchistas esquerdistas que quiseram levar o nosso país para uma ditadura comunista. Contra Soares e as suas tentativas de fazendo-se de vítima, minar o processo de alternância democrática que é o melhor esteio do governo representativo. Pela renovação da social-democracia portuguesa contra a tentativa da sua liquidação pelos sectores mais neoliberais do PSD, partido a que sempre pertenceu depois do colapso do PRD.
Era um portento como homem das letras, ensaísta, poeta, pedagogo, cultor dos insignes valores da nossa literatura, de Camões a Agustina Bessa Luís passando por Fernando Pessoa. Da sua impressionante carreira como gestor sempre ligado por alguma forma à cultura recordo os seus cargos de administrador da Imprensa Nacional, Presidente da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Fernando Pessoa e da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses bem como o de director da revista Oceanos. Era Presidente da Fundação Centro Cultural de Belém. Recordo o contributo que deu ao PSD e ao nosso país como deputado ao Parlamento Europeu (e membro do Partido Popular Europeu) de 1999 a 2009.
Era um intrépido adversário do Acordo Ortográfico, essa delapidação criminosa da língua portuguesa e bateu-se pela sua revisão até onde pode. Era um extraordinário cultor do ensaio e um destemido polemista. Todos nós que escrevemos nos jornais aprendemos com ele e a sua implacável caneta crítica e riquíssima retórica.
Deixa-nos já órfãos da sua escrita, dos seus livros e dos seus testemunhos a que ainda tinha tanto a dar. Fica nas letras portuguesas como um dos grandes escritores da era democrática, ao lado de alguns poucos, muito poucos.
Guardo com enorme carinho um texto que escreveu a meu pedido como prefácio para um livro colectivo sobre as relações Europa-China que nunca saiu à estampa. Conhecia bem Macau e o processo de transição sobre que escreveu, aliás, um relatório na qualidade de deputado do Parlamento Europeu.
O país está mais pobre com o desaparecimento do Vasco. Tinha pouco mais de 70 anos. Descansa em paz Companheiro."
Arnaldo Gonçalves in hojemacau.com.mo