20 anos sem Agostinho da Silva – por Carlos Loures

No passado dia 3, completaram-se vinte anos sobre a morte de Agostinho da Silva.
Nasceu no Porto em 13 de Fevereiro de 1906 e morreu em Lisboa em 3 de Abril de 1994. Humanista, filósofo, deixou uma notável obra ensaística. Como pedagogo, teve um percurso brilhante em Portugal e, sobretudo, no Brasil. Com o exemplo da sua vida e com o seu espírito criativo e inovador, estabeleceu o princípio de que nada é indiscutível. Agostinho da Silva foi aquilo a que, usando um chavão, se pode chamar «uma figura incontornável»; e, neste caso, o chavão faz sentido, pois deve ser considerado como um dos principais intelectuais portugueses do século XX. Em todo o caso, não apreciava elogios excessivos. Numa entrevista televisiva (Conversas Vadias), Cáceres Monteiro citou-lhe umas linhas de John Le Carré que, em A Casa da Rússia (The Russia House), um romance de espionagem que decorre no fim da Guerra Fria, e com uma parte tendo Lisboa como cenário, faz uma famosa a referência ao Jardim do Príncipe Real, e aos discursos de um velho místico que seria Agostinho da Silva - «por vezes, durante o dia, [pudera] ouvir os discursos de um velho místico, com rosto de santo, que gosta de receber os seus discípulos; discípulos de todas as idades…». Agostinho da Silva, escutando a leitura da citação, comentou, combatendo a hipótese da sua santidade: «Ele [John le Carré] fala no tal místico com cara de santo. Eu suponho que ele estava de lado, só viu metade da cara. Se tivesse visto a outra metade, talvez mudasse de opinião…».Em 1929, com 23 anos defendeu a sua dissertação de doutoramento, O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas, doutorando-se “com louvor”. Em 1931 partiu como bolseiro para Paris, estudando na Sorbonne e no Collège de France.Em 1933 regressou a Portugal onde leccionou no ensino secundário, sendo demitido por se recusar a assinar a declaração de que não participava nem participaria em organizações secretas e subversivas, obrigatória para todos os servidores do Estado. Declarou não ter assinado, não porque militasse em alguma organização subversiva; mas porque não sabia se no futuro isso não poderia acontecer. Ainda em 1933, foi-lhe concedida uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores de Espanha – estudou no Centro de Estudos Históricos de Madrid. Em 1936 a Guerra Civil Espanhola obrigou-o a regressar a Portugal onde, em 1939, criou o Núcleo Pedagógico Antero de Quental. Em 1940 publicou Iniciação: cadernos de informação cultural.
Em 1943 foi preso pela polícia política e em 1944 foi para a América do Sul – Brasil, Uruguai e Argentina. Em 1947 fixou-se no Brasil onde esteve 1969. Em 1948 trabalhou no Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Deu aulas na Faculdade Flumimense de Filosofia Entre 1952 e 1954 fez parte do corpo docente da Universidade Federal de Paraíba, ensinando também em Pernambuco. Ainda em 1954, colaborou com Jaime Cortesão na organização da Exposição do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo. Foi um dos fundadores da Universidade de Santa Catarina, criou o Centro de Estudos Afro-Orientais, e ensinou Filosofia do Teatro na Universidade Federal da Bahia, tornando-se em 1961 assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros. Participou na criação da Universidade de Brasília e do seu Centro Brasileiro de Estudos Portugueses no ano de1962 e, dois anos mais tarde, criou a Casa Paulo Dias Adorno em Cachoeira e idealizou o Museu do Atlântico Sul em Salvador da Bahia. Regressou a Portugal em 1969, pois a substituição de Salazar por Caetano prometia alguma abertura política e cultural no regime. Desde então continuou a escrever e a leccionar em universidades portuguesas e participando como consultor em organismos estatais ligados à cultura.
Inteligência luminosa, respostas desconcertantes nas muitas entrevistas que lhe faziam… No avesso da vulgaridade que foi alastrando na vida social dos portugueses, Agostinho da Silva era um antídoto contra essa mediocridade crescente e avassaladora que salta dos media para as ruas, para os palácios onde pulsa o coração do poder. Mesmo quando não se concordava com o que dizia, a divergência enriquecia-nos. Um homem tranquilo, amava os livros e os gatos. E respeitava os companheiros de viagem.
Carlos Loures in aviagemdosargonautas.net