O pensamento crítico

O pensamento crítico nem sempre foi útil. Na verdade, durante a maior parte da história da humanidade, o pensamento crítico até podia ser uma desvantagem. As decisões mais importantes dos nossos antepassados eram quase sempre urgentes e tomadas com pouca informação. Na pré-história, os que ficaram a analisar cuidadosamente se aquele ruído era mesmo um leão ou se aqueles estranhos com lanças em riste tinham más intenções não viveram o suficiente para transmitir às gerações seguintes a sua abordagem metódica e atenta. Durante muito tempo, o pensamento crítico serviu de pouco e até podia ser perigoso para a saúde.
Só lentamente é que esta situação foi mudando. Na Grécia antiga surgiram os primeiros filósofos ocidentais, que se tornaram famosos por pensar acerca de como pensar. Eram pessoas excepcionais numa sociedade excepcional onde apenas alguns, muito poucos, se podiam dedicar ao pensamento e à contemplação, enquanto os outros trabalhavam. E poucos séculos mais tarde, nas sociedades que lhes seguiram, pensar criticamente tornou-se ainda mais perigoso que antes. A superstição, a ignorância, a falta de informação adequada e a repressão social, muitas vezes violenta, conspiraram para que o pensamento crítico não fosse desejável para a grande maioria.
Mas hoje vivemos numa sociedade mais tolerante e mais segura. Temos o privilégio de poder ponderar, exprimir e partilhar as nossas opiniões. E, normalmente, podemos antecipar as decisões mais importantes, podendo pensar com cuidado e reunir a informação necessária para decidir de forma deliberada e fundamentada. Acerca do curso que vamos seguir, das ofertas de emprego, da casa que queremos comprar e assim por diante. E temos acesso a informação abundante e de qualidade, se a conseguirmos separar do ruído. Por isso, hoje mais que nunca, temos muito a ganhar com o hábito de pensar com atenção. De seguir os passos do nosso raciocínio, e dos raciocínios dos outros, para tomar consciência da forma e do fundamento das decisões que tomamos e das opiniões que formamos ou aceitamos.
Na prática, há muitas situações em que é útil pensar de forma crítica. Diariamente nos vemos confrontados com pessoas que, com melhores ou piores intenções, procuram aproveitar-se da nossa credulidade ou de alguma precipitação nas nossas escolhas. Os vendedores de automóveis, a publicidade na comunicação social, videntes, astrólogos e crentes nas mais diversas ideologias procuram persuadir-nos de forma muitas vezes apelativa mas que não resiste a uma análise crítica cuidadosa. O pensamento crítico ajuda a proteger as nossas ideias. E as nossas finanças. E não se limita à vida pessoal. O efeito estende-se à nossa actividade profissional, onde muitas vezes somos responsabilizados por decisões que temos de saber justificar, e à nossa participação na sociedade onde intervimos como cidadãos e eleitores, o que é cada vez mais importante porque hoje temos mais controlo sobre o que nos rodeia do que alguma vez os nossos antepassados tiveram.
A tecnologia dá-nos mais poder e, com isso, mais responsabilidade, e torna-nos mais dependentes de uma compreensão rigorosa da realidade. Por isso é crucial compreendermos bem o que fazemos. A ignorância e os actos mal pensados podem ter consequências nefastas ao nível global. A credulidade e as decisões precipitadas podem prejudicar não só o próprio mas também aqueles que o rodeiam. Por isso precisamos resistir à tentação das decisões fáceis, evitar a aderência cega a hábitos ou crenças formadas e disciplinar o nosso pensamento para abordar os problemas de forma sistemática e com consciência da forma como decidimos. Precisamos de pensamento crítico. Todos nós. Não é só para filósofos ou académicos. É uma ferramenta útil para cada um de nós e é útil para todos que todos a usem. Toda a sociedade tem a ganhar com o hábito de tomar cada decisão apenas no fim de um processo ponderado e consciente.
S/autor - in centria.di.fct.unl.pt/