Os limites à liberdade de expressão nos discursos de incitamento ao ódio - por Miguel Salgueiro Meira

Enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado (artº. 37º da CRP), a liberdade de expressão não é um direito absoluto. 
Muito embora a Constituição da República Portuguesa não contenha uma cláusula de restrição da liberdade de expressão e refira expressamente que tal direito deve ser exercido sem impedimentos nem discriminações, o certo é que do próprio corpo do seu artº. 37º se extrai que tal liberdade não é ilimitada. 
Esses limites hão-de ser encontrados em situações de conflito, através de uma adequada ponderação da liberdade de expressão com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, bens esses que podem ser pessoais, comunitários ou estaduais. 
O princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental e estruturante da Constituição da República Portuguesa, dá unidade de sentido aos preceitos de direitos fundamentais; é ele que deve servir de regulador nas situações de conflito entre dois direitos fundamentais, impedindo que o exercício de um direito fundamental possa atentar contra aquela dignidade. 
Assim sucede também com a problemática da compatibilidade dos discursos de incitamento ao ódio e o exercício da liberdade de expressão. 
Os discursos de incitamento ao ódio, manifestados em mensagens e expressões racistas, xenófobas, homofóbicas ou misógenas, visam discriminar e estigmatizar os indivíduos que compõe o grupo a que se destinam, negando-lhes um estatuto de igualdade relativamente aos demais cidadãos. 
É a dignidade da pessoa humana que aí é posta em causa. 
Quando determinadas condutas expressivas tiverem como único objectivo a ofensa, humilhação, discriminação e estigmatização de um determinado grupo, não deverão ser reconhecidas como exercícios válidos da liberdade de expressão, podendo ser legitimamente restringidas, na medida em que põe em causa a igual dignidade da pessoa humana. 
Pelo contrário, quando o objectivo central daquele que manifesta uma opinião não for a ofensa, humilhação, discriminação e estigmatização, mas sim debater, criticar ou informar, não deverá haver restrição do exercício da liberdade de expressão. 
Não sendo possível fixar critérios rígidos, válidos para todas as situações, a ponderação deverá ser feita caso a caso e com precaução sob pena de se poder redundar numa nova censura. 
Os discursos de incitamento ao ódio poderão ainda ser restringidos quando possam pôr em causa a ordem pública. 
Também aqui a restrição da liberdade de expressão deverá ser ponderada caso a caso e com idêntica precaução, apenas devendo ser restringida quando a ordem pública estiver verdadeiramente ameaçada. 
De outro modo, correr-se-ia o risco de o argumento da ordem pública vir a ser utilizado para restringir a liberdade de expressão sempre que um determinado discurso fosse incómodo para o poder instalado. 
Assim, o exercício da liberdade de expressão deverá ser limitado apenas em situações extremas em que os discursos de incitamento ao ódio, sem qualquer outro objectivo que não a humilhação e a ofensa, ponham irremediavelmente em causa a dignidade da pessoa humana ou a ordem pública. 
Fora essas situações extremas, e muito embora as opiniões expressas possam ser politicamente incorrectas e abomináveis, a liberdade de expressão deverá prevalecer.
Miguel Salgueiro Meira in verbojuridico.com