A força e o direito - por Adriano Moreira

Os dois últimos conflitos ocidentais que dão pelo nome de guerras mundiais pareciam ter encaminhado no sentido de que, pelo menos por algum longo período, a escolha entre a força e o direito se inclinava em favor do segundo, vista a dimensão crescente dos desastres derivados dos enfrentamentos militares.
Autoridades na área académica e da política, como Villepin, inquietas com o início do conflito no Iraque ainda à espera do ponto final, insistiam em que apenas tinham esperança no consenso e respeito pelo direito, limitando a legitimidade do uso da força.
Por esse tempo, ainda não muito distante, havia quem não desistisse da convicção de que a ONU era mais do que nunca insubstituível, sobretudo para generalizar o modelo democrático na constituição dos Estados que se multiplicavam depois da criação da organização. Foi a visão da possibilidade de pôr a justiça acima do recurso à força que encaminhou para a confiança na criação de tribunais internacionais, com destaque para o Tribunal Penal Internacional, mas os factos, que no Conselho de Segurança mais de uma vez se tornaram evidentes, parecem teimar em dar razão ao realismo do inesquecível Aron quando escreveu que "os grandes não aceitam ordens e não se deixam dominar", sem necessidade de verificar a sua concordância com o facto de o próprio Rousseau se ter declarado convicto de que entre as pessoas "vivemos num estado civilizado e submetidos às leis, mas entre os povos cada qual goza da liberdade natural". A situação atual, a desordem mundial reinante, se nela felizmente não morreram os ideais da paz nem os idealistas, o facto é que a violência parece não apenas agravar-se em vários lugares como também vigiar a oportunidade de se expandir.
Quando se recorda a incapacidade que se revelou no caso do Iraque, e Chirac não hesitava em contrapor à decisão americana de usar a força a decisão francesa de afirmar a primazia do direito, estava esquecido ou descrente das palavras de De Gaulle, que, quanto ao Conselho de Segurança, não aceitava obedecer a uma organização em que eram numerosos os regimes ditatoriais presentes.
Se as coisas parecem com frequência apoiar esta premissa respeitante à possibilidade de estender à vida internacional a ordem geralmente respeitada na vida interna dos Estados, os factos tendem para agravar-se quando a doutrina das fronteiras dos interesses cresce de importância no conceito dos chamados poderosos, como agora se torna evidente com a Rússia, mas facilmente rica de exemplos na tumultuosa vida internacional europeia, na qual a luta pela extensão dos territórios e do número de obedientes súbditos foi a ambição permanente de soberanias no passado.
Na época presente, o que acontece é que a fronteira dos interesses é apoiada em meios destrutivos, sem exemplo no passado. Já foi dito que é tarde para os homens mas cedo para Deus evitar o pior.
Temos esperança de que o património imaterial da Europa toda esteja dirigido no sentido de fazer predominar o direito, mas também é visível que tem consentido que os factos mais de uma vez neguem a eficácia dos princípios.
A tendência para fazer prevalecer a hegemonia nacional dentro da União, quando esta não alcançou voz internacional respeitada no campo da segurança e da paz, é participar conscientemente na sua rutura.
A Alemanha tem experiência suficiente para que dela se espere uma reflexão no sentido de reanimar, e até de movimentar a estrutura e comportamento da União, esta mesma não independente da circunstância internacional.
No caso da Rússia, e do seu conceito estratégico, já chamado Império do Meio, as sanções económicas, que são a forma da excomunhão do credo do mercado, são evidentemente incapazes de ter efeitos úteis.
A mobilização da estrutura internacional adormecida talvez ainda evite que seja tarde para os homens e cedo para Deus.
Adriano Moreira in dn.pt