Entrevista a Jostein Gaarder (autor de "O mundo de Sofia")

(Português do Brasil)

- Como é a sua relação com a morte?
- Vejo a morte como o final da vida. Epicuro dizia que não temos que nos preocupar com a morte, porque quando a morte existe, nós não existimos.

- Como se define? Escritor ou filósofo?
- Se tivesse que escolher, diria que escritor. Quando era professor já escrevia. Logo publiquei O Mundo de Sofia e fui ao mesmo tempo uma coisa e outra. Através do Espelho e Ei! Tem Alguém Aí? foram livros filosóficos. Minha ligação com a vida tem sido essa desde sempre. Agora espero ser mais escritor.

- Como a foi sua infância?
- Era uma criança solitária. Tinha dores de cabeça. Me lembro que contemplava as outras crianças brincar. Era muito reflexivo. Mas aos 10 anos era um garoto normal, apesar de não gostar de futebol.

- O destino, o jogo de cartas, as coincidências, a probabilidade... Todos esses temas estão presentes em seus livros. Você acha que tudo está preparado e que o destino impera?
-Não creio na predestinação. Nem mesmo em vida depois da morte. Meu único desejo é viver para sempre. Desse desejo estou seguro.

- A Genética e a Astronomia aparecem refletidas subtilmente em Maya. Você acredita que os grandes avanços científicos criarão novas crenças no futuro?
- Como a Internet, esses avanços afetam o rumo dos seres humanos. Uma das minhas grandes perguntas é: como isso acontecerá? Hoje, pelo telefone, temos acesso a todo conhecimento humano. A Biologia Molecular e a Engenharia Genética vão mudar nosso pequeno mundo. A mudança mental do homem é mais lenta.

- Você crê em Deus?
- Tenho meu próprio credo. Penso que o mundo e o universo não são uma coincidência. Há uma intenção. Não creio em uma revelação. Para mim o próprio mundo é a revelação.

- O que você sente quando escreve? Prazer, angústia, estresse, dor?
- Antes de escrever ligo o rádio, a lava-louças, tento fugir. Mas, finalmente, o texto se impõe. Há alguns anos escrevia com mais prazer do que agora, talvez porque esteja ficando velho. Antes, amava o ato de escrever. Mas depois dos livros que publiquei, sinto que já contei muito. Não sei se Maya será meu último livro, mas se houver outro depois, será completamente diferente.

- Talvez o sucesso tenha algo a ver com esse bloqueio...
- Meus livros têm despertado expectativas em todo o mundo. Isso tem afetado o lado prático da minha vida, mas eu não mudei. Confesso que o sucesso perturbou o meu processo criativo. Foram feitos filmes dos meus livros e lançados CDs. Isso provocou novos sinais elétricos em minha mente, distorções entre o mundo, a vida e eu. É como um bloqueio. Sei que muitos autores escrevem para sobreviver. Eu não preciso.

- Você está acompanhando as novas discussões sobre tempo e espaço?
- Estou muito influenciado pelo que tenho lido de Kant, Einstein, a teoria do Big Bang. Penso que o mundo é como o vemos. Uma mosca o vê de outra maneira, mas eu o vejo como ser humano e esse é meu tempo e meu espaço. O tempo para mim é a realidade.

- O amor, entendido por alguns dos personagens de Maya como uma bebida de eternidade, é parte fundamental do romance. Essa bebida acaba no mundo real?
- Sim, a fonte do amor se esgota. Hoje é mais difícil para a gente amar outras pessoas e ter uma vida amorosa. Na sociedade moderna as condições para o amor não são fáceis. Amor é sentir uma completa devoção e dedicação por outra pessoa. Fazer amor é uma frase preciosa porque diz que o amor é algo que nós fazemos.

- O que você mais ama e odeia?
- O que mais amo é minha esposa. O que mais odeio, a avareza. Vinte por cento das pessoas controlam os 80% restantes. E isso vai continuar. Com a globalização, a diferença entre ricos e pobres aumentará e vamos precisar de novos rumos.

- Qual é o antídoto para deter esta desumanização?
- Vejo a necessidade de mudar muitas coisas no mundo, sobretudo o controle de nós mesmos e de nossas consciências. Somos descendentes de seres que têm lutado entre si. Mas devemos aprender a controlar o nosso egoísmo. É preciso mudar muitas instituições. Como? As soluções passam necessariamente por uma maior consciência. De minha parte, tenho gastado muito dinheiro na criação de fundações. Também criei um prémio ecológico. Espero que possa ajudar um pouco.
entrevista a Jostein Gaarder in revista Superinteressante Set/2000