Marx e a crítica à religião

Para Marx a crítica da religião, obra de Feuerbach, estava, no essencial, terminada e era a premissa de toda a crítica na Alemanha: a crítica da religião deve, por isso, dar lugar a uma crítica mais radical - a crítica da situação, das condições sociais de injustiça que provocam a alienação religiosa. Deve, pois, criticar-se a alienação mais global do ser humano. 
Considerada por Feuerbach a sua tarefa mais importante, a crítica da religião consiste, para este autor, em mostrar que a “essência teológica” da religião é falsa, e reduzi-la à essência do Homem - “o segredo da Teologia é a Antropologia” enquanto esta liberta o Homem da falsa imagem que lhe é atribuída pela cultura tradicional até ao Idealismo, inclusive. 
A génese de Deus surge a partir da projecção que o homem faz de si mesmo e da sua essência. Basta olhar para a essência do Homem para encontrar tudo o que o homem atribui a Deus. Deus é produzido pelo homem - “A essência de Deus não é mais do que a essência do ser humano , a essência do homem objectivada e separada do homem real e corpóreo. A essência contemplada e venerada como um ser-outro diferente do homem. Por isso todas as determinações da divindade também o são do ser humano.”
A religião aliena, assim, o homem de si mesmo porque faz com que ele coloque fora de si aquilo que lhe é substancial. Ao alienar-se, o homem religioso empobrece a sua substância humana e, simultaneamente, desvia da existência terrena, corpórea, o interesse e a esperança da sua vida para os transportar para um céu imaginário. Para que Deus seja, o homem tem que negar-se. 
A crítica de Feuerbach é assim a redução da Teologia à Antropologia. Nega-se a religião de Deus e afirma-se a religião do Homem (Humanidade). A essência do homem é o novo Deus. Desta forma faz da alienação um instrumento de combate à religião. (Feuerbach não condena tanto a religião, mas a Filosofia religiosa na fórmula que lhe deu Hegel). 
Marx dá à alienação um novo estatuto. A originalidade de Marx consiste, não em explicar a alienação (Feuerbach) mas em reduzir a alienação às suas causas reais, ao criticar o estado de coisas que provocam a ilusão. Faz da religião um sub-produto do Homem, tal como a ideologia. A religião é mera criação do Homem. 
Mas porque é que o Homem cria a religião? Os homens só se alienam do seu ser projectando-o num Deus imaginário, porque a existência real, na sociedade, não lhe permite o desenvolvimento e a realização da sua humanidade. A alienação resulta das condições concretas das sociedades humanas, A alienação é, primeiramente, uma alienação económica que depois se prolonga na alienação religiosa e na alienação filosófica. A religião, e a forma religiosa, estão em estreita relação com a organização económica, social e política, emprestando-lhes uma justificação ideológica. 
Por isso não basta denunciar a alienação religiosa. É preciso mudar as condições reais e concretas que permitem que surja e se desenvolva a “quimera celestial”. Como Feuerbach, também Marx pensa que a religião é uma projecção do homem. Mas difere de Feuerbach quando encontra na raiz da religião, não um sentimento humano religioso, mas a miséria da vida social. Também o “sentimento religioso” é um produto social - É o Homem que cria a religião e não a religião que cria o Homem. 
Mas o que é o Homem? O Homem é o mundo do Homem do qual a religião é uma consciência invertida. Por isso a luta contra a religião é a luta contra um certo estado de coisas. A exigência de renúncia às ilusões religiosas é simultaneamente a exigência de renúncia a uma situação económica e social que tem necessidade de ilusões. A luta contra a religião é a luta contra um estado de coisas sancionado pela mesma religião. Existe o mundo fantástico dos deuses, porque existe o mundo injusto dos homens. “A miséria religiosas é, simultaneamente, expressão da miséria real e o protesto contra essa miséria. É o suspiro da criatura esmagada, o coração de um mundo sem coração; como ela é o espírito de uma existência sem espírito, ela é o ópio do povo. 
O desaparecimento da religião enquanto felicidade ilusória do povo é uma exigência da sua felicidade. Exigir que o povo renuncie às ilusões sobre a sua condição, é exigir que ele abandone uma condição que tem necessidade de ilusões.” 
A religião deve desaparecer porque impede o homem de ver o seu estado real - tira ao homem a consciência da sua miséria ao consolá-lo com a esperança de um outro mundo melhor. A religião é uma forma de alienação e divisão do Homem que tem como características a resignação, a justificação transcendente da injustiça social e a compensação, no céu, das injustiças da sociedade opressiva. A religião é obra de uma humanidade sofredora e oprimida, obrigada a buscar consolo no universo imaginário da fé. Por isso as ilusões não desaparecem se não eliminarmos as situações que lhes dão origem e as exigem. Por conseguinte a crítica do céu transforma-se em crítica da terra, a crítica da religião e da Teologia em crítica do direito e da política. 
Conclusão: a transformação prática das condições materiais acabaria com a religião e com a aparente (porque não constitutiva) dimensão religiosa do Homem. Marx substituí a fé em Deus pela fé em si mesmo - pela fé no Homem. 
É justa a sua crítica a todas as projecções ilusórias, a todos os ídolos fabricados pelo homem. Mas será o verdadeiro teísmo apenas uma projecção ou ilusão? 
A crítica redutora das alienações termina numa antropologia naturalista, esquecendo a dimensão espiritual e transcendente do homem como pessoa. Sem abertura à Transcendência, característica de um verdadeiro Humanismo, o homem fica reduzido simplesmente a um conjunto de relações sociais. O Homem é o ser supremo para o Homem. É o dono e senhor de si mesmo que, pela práxis, se produz a si mesmo ao transformar, pelo trabalho,a natureza material. O Homem é um ser total. Omnipotente. “Causa sui”.
J. Francisco Cunha Carvalho in http://repositorio.ucp.pt/