Marxismo e Complexidade - por Carlos Pimenta

Da diversidade de elementos considerados pelo marxismo tenderia a salientar dois como particularmente importantes para o estudo da complexidade, os quais, de alguma forma, já surgiram ao longo deste artigo.
O primeiro refere-se à importância atribuída ao concreto. A verdade é sempre concreta e o concreto é o objecto considerado no conjunto das relações e processos reais. O concerto é praxis. O concreto é totalidade: 
É neste contexto de radiação objectiva que a totalidade se apresenta - de um ponto de vista epistemológico - como um apelo à necessária consideração de todos os elementos do Universo, no quadro do conjunto organizado e sistemático que, objectivamente constituem. As coisas, os homens, as acções, os acontecimentos, não se encontram desligados ou perdidos no Mundo, entregues a uma sorte ou acaso que os dispersa e isola. Tão-pouco se agrupam ou congregam segundo o arbítrio ou a ocasionalidade dos critérios de um qualquer analista. O Universo constitui uma unidade estruturada de acordo e por intermédio de conexões objectivas, susceptíveis de irem sendo apercebidas e determinadas. 
A multiplicidade, por que o real imediatamente se expressa e torna perceptível, longe de permanecer na dispersão do seu desdobramento, guarda uma fundamental e decisiva relação - detentora de um fundamento objectivo - com a unidade total e com as unidades parciais em que constitutiva e concretamente se inscreve. 
Igualmente se transforma o significado de abstracto, momento de análise do concreto, e a relação concreto-abstracto. 
O erro teórico mais fundamental em matéria de manuseamento da abstracção, o erro especulativo que barra toda a via de acesso à verdadeira ciência, é o que consiste em confundir a generalidade abstracta, que ainda não é senão a representação puramente exterior das coisas em si, com a essência real que preside ao seu movimento concreto, de considerar essa generalidade abstracta, início do trabalho de reflexão, como ponto de partida objectivo, a base efectiva do processo real.
O segundo contributo refere-se à utilização da dialéctica. É hoje incontestável, independente da posição que se tenha sobre aquela que "É mérito de Marx, (...) ter, pela primeira vez, de novo posto em evidência o esquecido método dialéctico, a sua conexão com a dialéctica de Hegel, assim como a sua diferença relativamente a ela, e de ter, simultaneamente, aplicado este método, no Capital, aos factos de uma ciência empírica, a economia política." 
Como se pode antever do que dissemos anteriormente sobre a lógica dialéctica estamos hoje em condições de ir mais longe no conteúdo e aplicação da dialéctica, mas o marxismo continua a ser nesta matéria uma referência fundamental. 
Muitas são as conclusões que poderíamos retirar, mais ou menos operacionais. Permitam-me que, de entre elas, seleccione algumas.
1. Estamos num momento de encruzilhada do percurso científico, num momento de desvendar novos horizontes, eventualmente assaz promissores. Tal obriga-nos a dar muita atenção à investigação fundamental. Estamos totalmente de acordo com Ilya Prigogine quando afirma que pessoalmente eu considero que atrasar o desenvolvimento da ciência fundamental hoje seria tão condenável quanto o ter feito na época de Galileu, exactamente antes da revolução newtoniana. 
Essa investigação fundamental é indispensável para “devolver a ciência aos cidadãos”, isto é, para caminhar no sentido do concreto. Seria de uma grande irresponsabilidade criar uma dicotomia insuperável entre investigações fundamental e aplicada, e tudo subordinar a esta em solicitação ao sacrossanto mercado. 
2. A modelização futura da complexidade social vai exigir a contribuição de múltiplos cientistas labutando em diferentes áreas do saber: 
− remete para a multidisciplinaridade operatória porque as leis da dialéctica e a indissolubilidade da complexidade exige uma consideração do todo social de que o económico é uma parte. 
− há que encontrar instrumentos de observação e tratamento da informação adequados ao objecto teórico, sendo de admitir que a Teoria do Caos, enquanto ramo das Matemáticas, e as redes neuronais, caso particular da inteligência artificial, tenham um importante papel a desempenhar na nova multidisciplinaridade formalizante. 
− a epistemologia das ciências sociais, em geral, e da Economia, em particular, poderão facilitar alguns dos novos percursos metodológicos, e abrir reflexões úteis para uma análise adequada das problemáticas. 
3. Parece particularmente interessante o aproveitamento da Teoria do Caos. Não porque seja uma moda, não porque seja a negação dos estudos realizados até agora mas porque é um bom pretexto para se percorrer caminhos ainda pouco explorados e para construir uma ciência - estamos a pensar na Economia Política - com um objecto teórico bem mais vasto. 
Sendo a sensibilidade às condições iniciais o elemento caracterizador dos sistemas caóticos temos um vasto campo de aplicação à Economia, pois desde há muito sabemos como variações infinitesimais de alguns parâmetros e comportamentos podem modificar radicalmente as situações. O conceito de determinismo caótico parece ser epistemológica e operatoriamente adequado para articular a necessidade, o determinismo social e histórico, com a liberdade, o livre-arbítrio dos indivíduos e instituições. Também a integração num modelo uno das situações ditas normais e anormais, dos efeitos esperados e perversos parece ser viável no quadro de tais modelos. Se quisermos, e pudermos, continuar a trabalhar com movimentos tendenciais e leis probabilísticas, com evolução de conjuntos de variáveis para determinados valores de referência, como parece resultar da continuação da utilização do conceito de valor, parece ser bastante preferível trabalhar com atractores constituídos por múltiplas situações e, eventualmente, atractores estranhos.
Tudo isto para além do facto generalizadamente reconhecido de que a realidade social, e não só, ser melhor descrita por sistemas dinâmicos não-lineares. 
4. O marxismo continua a ser uma corrente do pensamento importante para equacionar filosófica, epistemológica e cientificamente as problemáticas associadas à complexidade.
Carlos Pimenta in fep.up.pt