Religiões - do conhecimento à paz

Qualquer pessoa verdadeiramente religiosa já alguma vez disse para si mesma: se tivesse nascido noutro continente, de uma família de outra religião, muito provavelmente a minha pertença religiosa seria outra. Na Índia, seria hindu. Em Marrocos ou na Indonésia, muçulmano. Em Israel, de mãe judaica, seguiria o judaísmo. Na China, seria confucianista ou taoísta. No Japão, xintoísta. Na Europa, em Portugal, cristão católico; na Rússia, cristão ortodoxo; na Suécia, cristão luterano.
(...) Se tivesse nascido como um dos 1200 milhões de seres humanos na Índia, provavelmente seria hindu. Acreditaria no samsara, o ciclo das reencarnações, no quadro de uma compreensão cíclica do tempo, da natureza, dos diferentes períodos cósmicos e da história. Aceitaria que tudo é regido por uma "ordem eterna" ("Sanata dharma"), cósmica e moral e pela qual o ser humano se deve orientar. Importante é agir correctamente. Acreditaria que a minha vida presente resulta da minha acção moral boa ou má na vida anterior ("karma"), como a minha vida presente determina a vida seguinte. A saída do ciclo das reencarnações dar-se-ia na identificação de atman (eu) com Brahman (o Absoluto, a Realidade última e verdadeira).
Nascido no Sri Lanka, na Tailândia, no Japão, seria provavelmente um entre as muitas centenas de milhões de budistas, rejeitando a autoridade dos Vedas e, assim, também o domínio dos brâmanes e das castas. A figura que serviria de orientação seria Siddharta Gautama, "o Buda", que quer dizer "o Desperto", o "Iluminado". Desde o século VI a. C., ele responde, através da sua doutrina ("Dharma"), às grandes perguntas humanas. Essa resposta concentra-se nas "Quatro nobres verdades". A primeira: tudo é sofrimento, também no sentido de que tudo é impermanente. Qual é a origem do sofrimento que atravessa a vida toda? Responde a segunda: É a "sede de viver", o desejo, o ódio, a cegueira espiritual. A terceira nobre verdade diz que, através do desapego, é possível superar o sofrimento. Para isso, há a nobre verdade do caminho, com oito braços, que conduz à extinção do sofrimento: a visão perfeita, a resolução perfeita, a linguagem perfeita, a acção perfeita, a vivência perfeita, o esforço perfeito, o recolhimento perfeito, a concentração perfeita. Procura-se superar o renascimento, alcançando o Nirvana, aquela situação na qual já não há cegueira e todo o desejo é apagado - aquela situação que, já nada tendo a ver com a nossa experiência empírica, carece de toda a figura concreta, e, por isso, é o Nada, não no sentido niilista, mas de paz, plenitude e felicidade.
Nascido na China como um dos 1500 milhões de chineses, seguiria uma das três tradições religiosas: o budismo, o confucianismo ou o taoísmo.
O confucianismo não é tanto uma religião no sentido ocidental da palavra como sobretudo uma moral, baseada no equilíbrio cósmico e procurando a integração social. O Todo divino da Realidade é simbolizado pelo Céu imutável e os antepassados, que exprimem a permanência da Vida. Confúcio foi o primeiro na história da humanidade a formular a regra de ouro: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". A sua moral assenta no equilíbrio cósmico, político e familiar, no quadro de um organicismo vital, hierárquico e polar: soberano-súbditos, homem-mulher, pais-filhos, irmãos mais velhos-irmãos mais novos. Ocupa lugar central o culto dos antepassados, associados ao Céu.
O taoísmo, radicado em Lao-tsé, estrutura-se no quadro de uma concepção da Realidade como harmonia de contrários. É bem conhecido o pictograma do Tao, um círculo e esfera perfeitos que tudo contêm, estando as suas duas metades - uma clara, outra escura, Yang (céu, masculino) e Yin (terra, feminina) - em movimento constante e exprimindo o Todo num equilíbrio de momentos polares.
Sem diálogo entre as religiões, não haverá paz entre as nações. Para dialogar, é preciso conhecer.
Anselmo Borges in dn.pt