A atualidade da Filosofia - por Theodor W. Adorno

(Português do Brasil)
Quem hoje em dia escolhe o trabalho filosófico como profissão, deve, de início, abandonar a ilusão de que partiam antigamente os projetos filosóficos: que é possível, pela capacidade do pensamento, se apoderar da totalidade do real. Nenhuma razão legitimadora poderia se encontrar novamente em uma realidade, cuja ordem e conformação sufoca qualquer pretensão da razão; apenas polemicamente uma realidade se apresenta como total a quem procura conhecê-la, e apenas em vestígios e ruínas mantém a esperança de que um dia venha a se tornar uma realidade correta e justa. A filosofia, que hoje se apresenta como tal, não serve para nada, a não ser para ocultar a realidade e perpetuar sua situação atual. Antes de qualquer resposta, tal função já se encontra na pergunta, pergunta essa que hoje em dia é tida como radical, e, no entanto, é a menos radical de todas: a pergunta, pura e simples, pelo ser, tal como a formularam expressamente os novos projetos ontológicos e tal como, a despeito de toda oposição, subjaz também aos sistemas idealistas, que se pretende superar. Esta pergunta apresenta como perspectiva sua própria resposta: que o ser é adequado e acessível ao pensamento, que é possível se colocar a pergunta pela idéia do existente. Mas a adequação do pensamento ao ser como totalidade se desagregou e com isso se tornou impossível a pergunta pela idéia do existente, que um dia, soberana, pode se elevar como estrela, em clara transparência, por cima de uma realidade redonda e fechada, e que, talvez, se desvaneceu para sempre aos olhos humanos quando as imagens de nossa vida foram afiançadas pela história. A idéia do ser se tornou impotente na filosofia; nada mais que um princípio formal vazio, cuja arcaica dignidade ajuda a decifrar conteúdos arbitrários. Nem a plenitude do real, como totalidade, se deixa subordinar à idéia do ser, que lhe atribui o sentido; nem a idéia do existente se deixa construir a partir dos elementos do real. Ela se perdeu para a filosofia, e, com ela, sua pretensão de atingir a totalidade real, na origem.
A história da filosofia presta testemunho disso. A crise do idealismo é equivalente à crise da pretensão filosófica de totalidade. A ratio autônoma - tese de todo sistema idealista - deveria ser capaz de desenvolver, a partir de si mesma, o conceito de realidade e de toda realidade. Esta tese se autodissolveu. O neokantismo da escola de Marburgo, que aspirava recuperar, com o máximo rigor, o conteúdo da realidade a partir de categorias lógicas, preservou, na verdade, sua integridade sistemática, porém perdeu, em virtude disso, todos os direitos sobre a realidade e se vê exilado em uma região formal, em que cada determinação de conteúdo se torna fugidia, como ponto virtual final de um processo sem fim. A posição antagônica à escola de Marburgo no círculo do idealismo, a filosofia da vida de Simmel - psicológica e irracionalmente orientada - manteve contato com a realidade abordada, porém perdeu, com isso, o direito de dar sentido a uma empiria confusa, e se resignou a um conceito naturalista, cego e obscuro do vivente, que procurava se elevar, em vão, a uma aparente e clara transcendência de uma "vida superior" (Mehr-als-Lebens). Por fim a escola de Rickert, do sudoeste alemão - oscilando entre os extremos - julga que dispõe, nos valores, de padrões filosóficos de medida mais concretos e práticos que aqueles utilizados pela escola de Marburgo em suas idéias, e desenvolveu um método que relaciona esses valores com a empiria, mas de um modo como sempre frágil. Continuam indeterminados o lugar e a origem dos valores; permanecem eles em algum espaço entre a necessidade lógica e a diversidade psicológica; nem presos ao real, nem transparentes ao espiritual. Uma ontologia da aparência que não é capaz de suportar a pergunta "de onde vem sua validade" e nem mesmo "para onde leva sua validade". As filosofias científicas trabalham sem se preocupar com as grandes tentativas de solução da filosofia idealista, e, desde o início, abandonam a questão fundamental idealista sobre a constituição do real. Apenas atribuem validade, nos marcos de uma propedêutica, às ciências particulares desenvolvidas, especialmente às ciências da natureza. Julgam, com isso, dispor de um fundamento mais sólido na abordagem dos dados, sejam eles referentes ao sistema da consciência, ou relativos à investigação das ciências particulares. Ao perderem a relação com os problemas históricos da filosofia, esqueceram-se de que suas próprias experimentações estão indissociavelmente vinculadas, em cada um de seus pressupostos, aos problemas históricos e à história do problema. Não podem solucioná-las independentemente deles.

Theodor W. Adorno in planetaclix.pt