O sentido da responsabilidade - Adriano Moreira

O sentido da responsabilidade não se confunde com a culpa, mas dela é dificilmente separável quando o poder de condicionar o futuro das comunidades é assumido.
Na crise em movimento não estabilizado em que vivemos, a hesitação entre impor uma governação autoritária, que foi no passado uma opção frequente, uma intervenção reguladora em nome de princípios éticos, e uma adopção da liberdade de mercado, parece tudo orientar-se, no que respeita à terapia europeia, para o último paradigma. Mas é uma escolha que, em vista do desalinhamento entre o sentimento e vontade da sacrificada sociedade civil, a autoridade invocada por governantes muitas vezes nunca eleitos no regime democrático que servem, e o condicionamento internacional em que os europeus se encontram, tem acontecido uma forte discordância com os programas anunciados e que orientam as eleições dos países atingidos pela fronteira da pobreza, e a lidar de regra com a vaga de imprevistos que acompanha sempre as responsabilidades governamentais.
Para não lembrar autores mais radicais, que esperam conseguir com a diminuição de salários, subsídios e pensões as perdas que o sistema financeiro provocou e sofreu com as práticas imaginativas que outros, em regra desconhecidos, praticaram, recorde-se um divulgado trecho de F. A. Hayek, Prémio Nobel da Economia, por vezes apresentado como, além de filósofo, um profeta da evolução.
É de resto um dos mestres venerado e citado pelo The Heritage Foundation, que se intitula doutrinador da Leadership For America.
O seu tema, talvez principal, foi "compreender a mente humana, os mercados que esta criou, e a maneira como os mercados fizeram dos homens e sociedade o que são". É seguramente uma adesão geral à importância determinante do mercado, mas tem de sublinhar-se que no seu The Constitution of Liberty insiste em que não pode separar-se a liberdade da responsabilidade, tendo humildemente presente, enquanto populariza o mercado livre e condena o totalitarismo socialista, que o saber é sempre limitado, e quando isto é esquecido o desastre não anda longe, o que se destina a advertir as tentativas de orientar a economia absolvendo-se da responsabilidade correspondente. Nesta situação de crise mundial, o presidente da The Heritage Foundation, Edwin J. Feulner, longe do Estado social de que necessitamos, chama especialmente a atenção para este trecho do The Constitution of Liberty: "É parte da natureza comum dos homens (e talvez ainda mais das mulheres) e uma das principais condições da sua felicidade que façam do bem-estar dos seus o seu principal objectivo... Por opinião comum a nossa principal preocupação a este respeito serve, evidentemente, o bem-estar da nossa família. Mas nós também mostramos o nosso apreço e aprovação dos outros fazendo deles nossos amigos, e nossos os seus objetivos. Escolher os nossos parceiros e geralmente aqueles cujas necessidades consideramos preocupações nossas é uma parte essencial da liberdade e da conceção moral de uma sociedade livre."
A serenidade com que anda atacado o Estado social, sobretudo quando a política deriva de uma adesão ao credo do mercado, talvez não tenha sempre em conta o sentido de responsabilidade que não deixa de ser lembrado por tão convicto doutrinador, nem sempre recordado quando se defende a suficiência de uma ética empresarial que acompanhe e oriente o empreendorismo económico e financeiro.
Acompanhamos, por doutrina, os que defendem a principiologia do Estado social, e temos de respeitar os que doutrinam e praticam, mesmo no exercício do poder, a lógica do mercado. Com a limitação de concederem à sociedade civil a exigência da responsabilidade objectiva pelos conceitos e decisões que vêm integrados no consequencialismo das opções.
O conflito crescente entre a sociedade civil, o poder legitimamente eleito e a fria conjuntura internacional não tem sido suficientemente acompanhada pela responsabilidade assumida do consequencialismo. Um facto que não apoia a tranquilidade social.
Adriano Moreira in dn.pt