Ética e Ecologia

Em geral considera-se a Ecologia como uma disciplina que se ocupa do ambiente e, mais particularmente, das relações entre o ser vivo e o meio em que ele vive. Mas sob uma tão consensual definição são várias as orientações que se disputam. Ferry (filósofo autor de um livro intitulado: A Nova Ordem Ecológica,) distingue três: A "antropocentrista" que se caracteriza por desenvolver uma atenção ao meio em íntima ligação com a vida dos homens, e será o homem que constitui o ponto de referência central; é uma posição humanista na medida em que não reconhece nenhum sujeito de direito que não seja o homem, nem tolera a absolutização de quaisquer valores "acima" do homem. Bem diferente é a orientação que se abre à atenção do "não-humano" e se desenvolve a partir da ideia que o direito pode começar onde começa a distinção entre o prazer e a dor. Define-se assim uma ecologia "utilitarista" que aposta no aumento global do bem-estar no mundo e, portanto, na eliminação de todas as formas de sofrimento - aqui, nesta perspectiva, o animal aparece ao lado do homem, perfilando-se como sujeito de direito. Por fim, em terceiro lugar surge, segundo uma designação consagrada, a ecologia "profunda" que defende a plena integração dos mundos animal, vegetal e mineral na esfera do direito. [...] É com esta última perspectiva que a temática ecológica se torna fortemente controversa, dado que, como afirma Ferry, com ela se pretende que o contrato social que se encontra na base da democracia ocidental deve "dar lugar a um contrato natural, em cujo âmbito o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: já não é o homem, considerado como o centro do mundo, que se deve, prioritariamente, proteger de si próprio, mas sim o Cosmos enquanto tal que deve ser defendido contra os homens".
[...] O que Ferry procura mostrar é que [a tese defensora da] "ecologia profunda"[...] suscita um conjunto de interrogações de fundo: a primeira é a de saber como é que a natureza pode ser um sujeito de direito uma vez que, manifestamente, ela não é um agente capaz de reciprocidade (deveres) que sempre se exige na ordem jurídica. O fundamentalismo ecológico passa ao lado do facto que "é sempre para os homens que o direito existe, é para eles que a árvore ou a baleia se podem tornar os objectos de uma forma de respeito, reconhecida pelas legislações, não o inverso". Mas ele (o fundamentalismo ecológico) vai mais longe com o seu vitalismo generalizado que, se for levado a sério, torna plausível a afirmação de que "a biosfera dá vida tanto ao vírus da SIDA como ao bebé foca, à peste e à cólera como à floresta e ao ribeiro". Poderá, com seriedade, dizer-se que o HIV é sujeito de direito ao mesmo título que o homem?
Manuel M. Carrilho, Aventuras da Interpretação,Editorial Presença, Lisboa, 1998, pp. 97-99