O poder da palavra - Adriano Moreira

Tem importância anotar que, nestes conturbados tempos, o poder da palavra pode vencer a palavra do poder, mas que também o discurso, mesmo inspirado pelos valores essenciais, corre o risco da submissão do dito à liberdade da interpretação.
Ficou célebre o discurso de Paulo VI na ONU quando ali declarou que o desenvolvimento é o novo nome da Paz. Mas nesta data de crise económica e financeira, com o desenvolvimento económico a sofrer as consequências do orçamentalismo, ideologicamente orientado não apenas pela busca do equilíbrio necessário, ganha atenções o discurso que João Paulo II, em outubro de 1955, dirigiu também à ONU, ocupando-se da Estrutura Moral da Liberdade.
São de então estas palavras: "As revoluções foram possíveis pela dedicação de homens corajosos e mulheres inspiradas por uma diferente, e finalmente mais profunda e vigorosa visão: a visão do homem como uma criatura de inteligência e livre arbítrio, imerso num mistério que transcende o seu próprio ser e o dota da capacidade de refletir e de escolher - e assim capaz de sabedoria e virtude." Parece excessivo ter encontrado nesta apologia da liberdade do homem um apoio, como que público, aos estatutos da Mont Pelerin Society, e ao seu apóstolo Hayek, autor do clássico The Road to Serfdom.
A experiência tragicamente vivida aconselha a que ninguém possa afirmar, com fundamentos supostos inabaláveis, "agora somos todos socialistas", como Harcourt em 1889, ou, como Nixon em 1971, "somos agora todos keynesianos", ou como Margaret Thatcher, em 1979, ou Ronald Reagan em 1980, ou os Chicago Boys do Chile em 1980, se professaram neoliberais como opção única. Se de facto o saber limitado das ciências sociais não pode afirmar caminhos únicos, aquilo que a crise que vivemos mostra é a falta de estadistas que se distingam por acrescentar, às incertezas do saber, a inspiração na leitura dos tempos e necessidades dos povos, com o amparo da sensibilidade que abre caminho à compreensão dos países que lhes acontece terem a responsabilidade de governar. Muitas vezes também se enganam no poder da palavra com que definem os caminhos, mas não transferem as responsabilidades para a estatística, ou para os técnicos empregados, porque sabem que nada os colocará à margem do julgamento da história.
O mundo ocidental, no século das guerras mundiais, assistiu ao confronto de lideranças inspiradas por visões incompatíveis do mundo e da vida, mas teve líderes capazes de enfrentar a tormenta. Não apenas conduziram à salvaguarda dos seus valores ocidentais, mas não ficaram inebriados pela vitória, e abriram caminhos para novos futuros das novas gerações.
A ideia de que as civilizações também nascem, crescem, enfraquecem e morrem, embora enunciada a tempo, não conseguiu impedir que fatores, ainda não completamente esclarecidos, impedissem que talentos de igual valor e inspiração evitassem que tal afirmação, apenas tendencial, se transformasse numa evidência que alastra, e que ameaça a manutenção e progresso do conceito de unidade europeia e ocidental que orientou aqueles responsáveis para transformarem o sofrimento em sabedoria, crescendo na memória dos povos que lideraram. Não é possível neste século, ainda sem bússola, que qualquer dirigente europeu imagine que os problemas domésticos são separáveis dos problemas do conjunto em risco porque não conseguiram sequer chegar à formulação de um conceito estratégico europeu.
Os órgãos responsáveis pelo globalismo, que são sobretudo os da ONU, com responsabilidades acrescidas deste o fim da guerra fria, estão como que adormecidos, e nem sequer o Conselho Económico e Social foi chamado a pronunciar-se sobre as ameaças que desde o século passado ali ficaram detetadas. E pelo que toca à estrutura europeia, a impressão crescente é a de fadiga, com o desamor europeu a crescer, com a igualdade dos Estados a ser esquecida, com os princípios fundamentais a serem ignorados. Uma voz de estadista que a tire da situação de pousio é urgente. Falta encontrá-la.
Adriano Moreira in dn.pt