... ainda não pagamos impostos suficientes?

A crise actual alterou a vida dos portugueses de diferentes formas. Quase sempre de forma negativa. Mas por isso se chama crise. Sendo as crises cíclicas, já devíamos estar habituados, mas o ser humano dificilmente se habitua a coisas e efeitos negativos. Assim se justifica que os povos não tenham memória. Nem os eleitores, nem os agentes económicos, nem os mercados. E assim a história vai-se repetindo com inusitada surpresa!
Ao contrário da crise dos anos 80, durante a qual o slogan "Os ricos que paguem a crise!" foi usado até à exaustão, a actual crise não seria ultrapassada mesmo que os verdadeiramente ricos em Portugal pagassem imposto a 100% sobre o seu rendimento anual. Aliás como se viu com a anedótica taxa de 75% de imposto para os ricos em França.
Desta vez nem os ricos chegam para pagar a crise!
Infelizmente, as crises económica e social são bem mais difíceis de ultrapassar do que a crise orçamental, pois para esta apenas é necessário garantir que a Receita seja superior à Despesa, como diria La Palice. O problema é que não só a existência de uma crise orçamental provoca as restantes, como também qualquer movimento forçado da Receita e da Despesa as impactam negativamente.
Não menos infelizmente, já se sabia antes da crise chegar que sempre foi mais fácil aumentar a Receita do que reduzir a Despesa, tal como fizeram todos os Governos democráticos. E ainda mais fácil é entender porquê!
Reduzir a Despesa dá muito trabalho e é muito desagradável. Dá muito trabalho porque há que decidir onde se vai reduzir a Despesa e é muito desagradável porque essa redução vai ter opositores concretos da área afectada que se vão insurgir e manifestar contra essa redução, denegrindo a imagem do Ministro da tutela e de todo o Governo. De qualquer Governo!
Função pública? - "Chamem o Tribunal Constitucional!"
Saúde? - "Nem pensar!"
Educação? - "Vão hipotecar o futuro!"
Justiça? - "Então é que o país pára mesmo!"
Segurança? - "O Estado tem que nos proteger!"
Prestações sociais? - "Seus fascistas!"
Direitos adquiridos de uma classe? - "Greve já!"
Assim se compreende que aumentar a Receita através de aumento de impostos seja mais fácil. Sendo este aumento generalizado para todos os contribuintes, não existem opositores concretos. Nem sequer o Tribunal Constitucional pode acudir a tamanha desgraça. Isto para além do facto de também já sabermos há muito tempo que o povo é sereno e que a oposição é (sempre) só fumaça.
Por esta razão, um Estado que tem défices orçamentais históricos e crónicos insiste em aumentar impostos para suportar a sempre crescente Despesa.
Mas porque cresce a Despesa?
Será que é porque o Estado nos oferece demasiados serviços relativamente aos impostos que pagamos? Ou será porque o Estado, não conseguindo evitar a evasão fiscal cuja dimensão nem sequer é conhecida, nos obriga a pagar serviços que outros utilizam gratuitamente? Ou será porque o Estado é ineficiente e crescentemente ineficiente no seu funcionamento? Ou será que o Estado gasta mal o nosso dinheiro?
A julgar pela dificuldade de todos os Governos democráticos após o 25 de Abril (e falta de vontade de alguns) em reduzir a Despesa, deve ser porque ainda não pagamos impostos suficientes para suportar os bons serviços que o Estado nos presta...
Paulo Barradas in Expresso.pt