Da liberdade - por Victor Bandarra

Os espectáculos de conversa, vulgo "talk-shows", alastram que nem ébola. São espectáculos, alguns com qualidade formal, onde tantas vezes se baralham conceitos e se criam preconceitos. Em Democracia dita do tipo ocidental, a Liberdade tem destas coisas. Por exemplo, confunde-se muito a liberdade de expressão com a expressiva verborreia da oratória bacoca. Espartilhados no estreito funil da luta pela liberdade de viver, de comer e de dizer, elites estudiosas da pergunta batida – mas afinal, o que é a Liberdade? – pelam-se por gongóricas dissertações sobre os trilhos do Homem em busca da Liberdade. E em nome da Liberdade, multiplicam-se académicos que descobrem a importância da televisão, escritores rendidos ao jornalismo, jornalistas aderentes ao humorismo, humoristas que enveredam pela politologia, cientistas abraçados às delícias da publicidade e políticos que usam e abusam da funcionalidade de todos estes grandes espectáculos de conversa. Em geral, o povo ignoto passa ao lado destas coloridas campanhas em prol da Liberdade, ou porque simplesmente as ignora ou porque nem sequer faz por as entender. Restam as vanguardas económicas e intelectuais para, em nome da Liberdade, definirem o que é a Liberdade.
O meu amigo Zé dos Pneus, pleno de lábia e espectacular conversador, citou esta semana o seu avô ribatejano, migrante que assentou arraiais em bairro operário lisboeta. "Liberdade é ter a barriga cheia e uns cobres para o bailarico!" Pão e circo foram quase sempre a dupla de luxo na formação do conceito popular de Liberdade.
E há quem, à procura da Liberdade, confesse num espectáculo de conversa o que o avô do Zé proclamava no recato do lar ou no recanto da taberna. O Nobel turco Ohran Pamuk, participante em conclave de discussão sobre a Liberdade, opinou que "a Liberdade deve ser colocada num pedestal e defendida". Nobre e corajoso pensamento. Logo a seguir, confessou que só a sua "liberdade económica" lhe vai permitir a liberdade de se dedicar brevemente à pintura. Nestas andanças, o respeitável Eduardo Lourenço, abrangente e assisado, ensaiou falar de várias liberdades e de nenhuma em especial. Zé dos Pneus percebeu há muito que, salvo o superior princípio da auto-preservação física, a Liberdade passa sempre pelo princípio da não-necessidade – económica ou psicológica. Assim se compreende que, há uns anos, velho condenado cumpridor de longa pena de prisão em remota cadeia transmontana tenha implorado de joelhos aos seus carcereiros para continuar atrás das grades. Sem dinheiro e abandonado pelos filhos, que faria ele com a sua Liberdade?
Victor Bandarra in cmjornal.xl.pt