Ciência técnica e domínio

«A questão fundamental da ciência e da técnica contemporânea não é, pois, a de saber donde poderemos nós ainda tirar as quantidades de combustível e de carborante que necessitamos. A questão decisiva é: de que maneira poderemos nós dominar e dirigir essas energias atómicas, cuja ordem de grandeza ultrapassa toda a imaginação, de maneira a garantir que elas de um momento para o outro, e mesmo sem ser num acto de guerra, não nos escapem por entre os dedos e tudo destruam. (...) As organizações, aparelhos e máquinas do mundo técnico tornaram-se indispensáveis, mais para uns do que para outros. Seria insensato investir contra o mundo técnico e seria fazer prova de miopia querer condenar esse mundo como sendo obra do diabo. Nós dependemos desses objectos que a técnica nos fornece e que, por assim dizer, nos permitem aperfeiçoá-los incessantemente. No entanto, a nossa relação às coisas técnicas é tão forte que, em nosso entender, nos tornamos seus escravos. (...)
É possível dizer sim ao uso inevitável dos objectos técnicos e dizer não, de modo a que se impeça o monopólio, o falseamento, a deturpação e o esvaziamento do nosso ser. Contudo, se dizemos simultaneamente sim e não aos objectos técnicos, a nossa relação com eles não se tornará ambígua, incerta? Pelo contrário, (...). Admitimos os objectos técnicos no nosso mundo quotidiano e ao mesmo tempo deixamo-los de fora, quer dizer, deixamo-los repousar sobre si mesmos, como coisas que não têm nada de absoluto, mas que dependem de algo mais elevado que elas.»
HEIDEGGER, M.; Gelassenheit; Serenité in Questions III