Karl Popper - Continuísmo e descontinuísmo

Em Popper, há um certo continuísmo. Ele sublinha que a sucessão das teorias constitui um progresso das ciências em direcção à verdade — a sua meta inalcançável. As teorias refutadas inserem-se nesse movimento de aproximação à verdade. Contra o descontinuísmo radical, afirma que "as nossas teorias são senso comum criticado e esclarecido".
O elemento descontinuísta do pensamento de Popper reside no facto de ele não considerar que o progresso se faça por acumulação de conhecimentos — a relação entre velhas e novas teorias, entre a actualidade da ciência e o seu passado, é crítica. As novas teorias corrigem e/ou substituem as anteriores. O desenvolvimento da ciência é imprevisível, porque as teorias científicas são livres criações do sujeito: a referência aos antecedentes só pode esclarecer a situação do problema cuja solução exige um acto criativo que não se pode prever a partir dessa situação. Os progressos mais significativos das ciências constituem revoluções intelectuais e científicas.
«Segundo Popper, na ciência nós procuramos a verdade — e a verdade não é dada pelos factos, mas pelas teorias que correspondem aos factos. Entretanto, essa é uma definição de verdade, mas nós não temos umcritério de verdade, já que, ainda que formemos uma teoria verdadeira, jamais poderemos sabê-lo, pois as consequências de uma teoria são infinitas e nós não as podemos verificar todas. Sendo assim, segundo Popper, a verdade é um ideal regulador. Eliminando os erros das teorias anteriores e substituindo-as por teorias mais verosímeis, aproximamo-nos da verdade. Para Popper, é nisso que consiste o progresso da ciência— e, por exemplo, é assim que se passa, progredindo sempre para teorias mais verdadeiras, de Copérnico a Galileu, de Galileu a Keppler, de Keppler a Newton, de Newton a Einstein.
Com isso, porém, não devemos pensar que exista uma lei de progresso da ciência, pois a ciência também pode estagnar. O progresso da ciência conheceu obstáculos (epistemológicos, ideológicos, económicos, etc.) e talvez venha a conhecê-los. Não existe lei do progresso na ciência. Este faz-se por meio de "revoluções intelectuais e científicas", estas "são introduzidas a partir de falsificações bem sucedidas. ...As teorias não são resultado directo das refutações; foram realizações do pensamento criativo, do homem pensante ". Popper diz que temos um critério de progresso: uma teoria pode aproximar-se mais da verdade do que outra.
Saliente-se que a ideia de "aproximação à verdade" nada tem em comum com a ideia de acréscimo gradual de pormenores na teoria que a deixariam, no essencial, igual a si mesma. As teorias refutadas integram o processo de aproximação à verdade por terem provocado a criação de teorias melhores:
"A afirmação de que a Terra está em repouso e que os céus giram à volta dela está mais longe da verdade do que a afirmação de que a Terra gira em torno do seu próprio eixo, de que é o Sol que está em repouso e os outros planetas se movem em órbitas circulares à volta do Sol (tal como foi avançado por Copérnico e Galileu). A afirmação, que se deve a Keppler, de que os planetas não se movem em círculos, mas sim em elipses (não muito alongadas) com o Sol no seu foco comum (e com o Sol em repouso ou em rotação à volta do seu eixo) é mais uma aproximação à verdade. A afirmação (que se deve a Newton) de que existe um espaço em repouso, mas que, excluindo a rotação, a sua posição não se pode encontrar através da observação das estrelas ou dos efeitos mecânicos é mais um passo em direcção à verdade."» G. Reale, D. Antisieri, História da Filosofia, III, EP, p.p. 1042-1046
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