T. Kuhn - a evolução da ciência

A reflexão de Kuhn sobre a natureza da actividade científica articula-se em três conceitos fundamentais: os conceitos de "paradigma", "ciência normal" e "ciência extraordinária".
a) Paradigma
Numa determinada época do desenvolvimento da ciência, as investigações científicas são orientadas e estruturadas por um paradigma, isto é, por uma visão do mundo (Weltanschaung), que, sendo geral, inclui não só a teoria científica dominante como também princípios filosóficos, uma determinada concepção metodológica, leis e procedimentos técnicos padronizados para resolver problemas.
Assim, o paradigma científico dominante no século XVII, a teoria de Newton, tinha como pressuposto uma representação filosófica da natureza (fundava-se na concepção antiteleológica do mundo natural, concebendo-o como um sistema mecânico regido pelo jogo de forças), apoiava-se nas leis do movimento formuladas pelo próprio Newton, na adopção de uma determinada metodologia (matematização da física) e na opção por determinadas técnicas de observação e de experimentação.
A constituição de um paradigma instaura a comunidade dos sábios (para Kuhn, a ciência é obra de comunidades científicas e não de génios isolados) e define não só o meio de solucionar os problemas como também os problemas que convém resolver.
b) A ciência normal e a ciência extraordinária
No período da ciência normal, a comunidade científica trabalha a partir do paradigma estabelecido. Procede investigando fenómenos ainda não explicados com o objectivo de os enquadrar na teoria dominante e de resolver pequenas ambiguidades teóricas. No período da ciência normal — cujo desenvolvimento é contínuo — o cientista, uma vez que a sua preocupação essencial é a de, ao resolver problemas, estender o campo de aplicação do paradigma, abstém-se, quanto ao que é fundamental, de criticar este. Reina o acordo geral e a investigação desenvolve-se no interior do paradigma. E quando um facto coloca um problema recalcitrante, que resiste ao enquadramento na teoria consensualmente em vigor é, geralmente, descartado como "anomalia", para não ameaçar o consenso no interior da comunidade científica.
Contudo, a acumulação de anomalias, isto é, de casos problemáticos que o paradigma não resolve,
acaba por dar origem a períodos de crise [um paradigma, dada a sua generalidade e complexidade, é sempre suficientemente impreciso para que se tornem possíveis estas "crises"]: as "anomalias", ameaçando o paradigma nos seus próprios fundamentos, são momentos críticos — pense-se na crise da física determinista desde 1924 — porque o consenso dá lugar à divisão, à formação de grupos que procuram outras teorias e outros fundamentos. A este período crítico dá Kuhn o nome de ciência extraordinária.
c) Revolução científica
O momento de crise — que pode ser longo — só encontra o seu termo quando um novo paradigma é adoptado. Como todo o paradigma representa um modo geral de interpretar o mundo e não um simples conjunto de soluções parciais ou regionais, ele corresponde a uma revolução científica e exige uma espécie de conversão mental por parte de quem o adopta. Estabelecido o paradigma, segue-se um novo período de ciência normal. Os cientistas irão aprofundar teoricamente o novo paradigma, resolver os problemas de acordo com ele, i. e., com os novos modos de solução assimilados, evitando pôr em causa esse modelo [por isso, dirá Kuhn, a comunidade científica não é dirigida pelo ideal de verdade]. As revoluções científicas não são muito frequentes: acontecem de vez em quando, o que denota uma certa resistência dos cientistas à mudança.
A que se deve o triunfo de um novo paradigma?
«O triunfo de um novo paradigma pode dever-se a uma grande variedade de factores: a sua capacidade para explicar factos polémicos persistentes, a sua utilidade na resolução de problemas e realização de previsões adequadas e, em não menor medida, a aura e o prestígio dos cientistas que inventam uma nova teoria e a defendem. O prestígio pessoal de um cientista", diz Kuhn "é muitas vezes considerado como sendo o resultado ou a prova de um excepcional engenho e inteligência. Mas pode também dever-se ao facto de ter apoios e amizades influentes no mundo das finanças e da política. Para que uma nova teoria se imponha, o seu inventor deve ter uma posição relativamente elevada na hierarquia universitária e facilidade no acesso a financiamento para a investigação."
Jenny Teichman e Katherine Evans, Philosophy: a Beginner's Guide, Blackweel, p. 146
Deste modo, a mudança de paradigma não obedece a critérios simplesmente racionais e científicos (não é somente a sua eficácia teórica e técnica, a capacidade de resolver mais problemas que os paradigmas "rivais", que conta).
A grande diferença entre Kuhn e Popper reside no facto de a mudança de paradigma não ser obra de uma racionalidade crítica: ao mudar o paradigma, substituem-se teorias, meios, hábitos de trabalho e também os objectivos — adoptam-se práticas distintas que não são alinháveis segundo o esquema da "aproximação à verdade" de Popper.
in canto.no.sapo.pt