O estatuto epistemológico das ciências humanas e sociais

Seguindo o pensamento do antropólogo Adolfo Yañez Casal (1996), podemos afirmar que as Ciências Sociais aparecem, enquanto exercício profissional, no século XIX. Este aparecimento não se dá por acaso, uma vez que é nessa altura que se consolida a sociedade burguesa e a modernidade e que aparecem novos problemas na relação entre o indivíduo e o grupo. 
As Ciências Sociais e Humanas têm em comum a relação entre sujeito (humano) e objecto (humanos) de estudo, o que implica falar de um estatuto epistemológico próprio, diferente do das ciências naturais. Esta postura não se encontra, porém, isenta de um forte debate científico que remonta à origem das ciências humanas e sociais. Durkheim (1995) considerava que as ciências humanas e sociais deveriam imitar as ciências naturais e considerar os fenómenos sociais como naturais. Esta perspectiva resume-se na expressão durkheimiana: “os factos sociais como coisas” (Durkheim, 1995). Autores como Dilthey (1839-1911), Max Weber (1864-1920) e Peter Winch defenderam, contrariamente, que as ciências sociais deveriam ter um estatuto epistemológico próprio, porque a acção humana é radicalmente subjectiva. Para estes autores, situados numa linha “compreensiva”, as ciências sociais devem compreender os fenómenos sociais, a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas acções. Esta perspectiva defende a ideia de que devamos utilizar métodos diferentes das ciências naturais, basicamente qualitativos e indutivos, que nos levem a explicar e/ou compreender a realidade sociocultural. Um exemplo disto é o seguinte (Schütz e Luckman, 1977): Se vemos a uma pessoa abrir a porta de uma vivenda, podemos interpretar que está entrando na sua casa, mas pode ser que nos enganemos e talvez seja o cerralheiro, é por isso que é melhor perguntar aos participantes e ir mais além do senso comum. Portanto, o auto-conhecimento e o conhecimento intersubjectivos caracterizariam as ciências humanas e sociais, desde o ponto de vista epistemológico. Dilthey (1992) chegou a afirmar que as ciências sociais devem centrar-se não nas causas dos fenómenos sociais, mas nas representações, sentimentos e interpretações dos mesmos.
Karl Popper (1986) foi um participante importante neste debate: afirmou a inexistência de oposição entre as ciências naturais e as ciências humanas e sociais. Para ele, a verdadeira oposição existe entre ciências empíricas e os sistemas metafísicos. Ao contrário da metafísica, a ciência caracterizar-se-ia por submeter as suas proposições e teorias à falsidade (refutação). Embora esteja consciente de que a ciência é sempre provisória, Popper reconhece o direito da mesma a procurar leis gerais. Esta validade limitada significaria pensar o conhecimento científico não como uma verdade irrefutável e absoluta, mas como um conhecimento –“certum” - validade limitada. 
Thomas Kuhn (2000), em oposição a Popper, distinguirá as ciências paradigmáticas (ciências naturais) das ciências pré-paradigmáticas (as ciências sociais). Porquê? Segundo este autor, não existe um paradigma sobre a natureza humana que seja aceite por toda a comunidade científica. Isto significa uma clara diferença relativamente às ciências humanas e sociais pois, se bem que paradigmas como os de Newton ou os de Einstein (relativismo) tenham sido aceites por todas as ciências naturais, em ciências humanas, a diversidade de teorias e princípios sobre a natureza humana é tão ampla que não nos permite falar de paradigma. Paradigma é entendido como o conjunto de teorias e princípios sobre a estrutura e a natureza das coisas; conjunto aceite, por unanimidade, por toda a comunidade científica. Sem entrar a fundo nesta discussão sobre pre-paradigmas e paradigmas (não é este o objectivo desde tema), é, porém, importante situar as ciências humanas e sociais, nomeadamente a antropologia na organização da produção social do saber.
De acordo com Kuhn (2000) a história da ciência não é um processo cumulativo de conhecimento (talvez isto seja certo em Medicina), porém um processo construído a saltos, revoluções, mudanças radicais no paradigma cientifico de explicação. Um paradigma é um conjunto de ideias que uma comunidade científica partilha sobre metodologias e teorias.
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