Tolstoi: a confusão entre a beleza, o bem e a verdade

«A ciência da estética, ciência do belo, nunca desapareceu nem poderia desaparecer, porque nunca existiu; apenas o facto de os gregos, como todas as pessoas, sempre e em toda a parte, considerarem a arte boa quando estivesse ao serviço do bem (de acordo com a sua compreensão do que era o bem), e má quando fosse contrária a este bem, como sucede em qualquer outro assunto. Os próprios gregos eram moralmente tão pouco desenvolvidos, que o bem e a beleza se lhes afiguravam coincidentes, e com base nesta conceção primitiva do mundo dos gregos foi construída a ciência da estética, inventada pelas pessoas do século XVIII e especialmente transformada em teoria por Baumgarten. Os gregos [...] nunca tiveram ciência estética alguma. As teorias estéticas, e o próprio nome dessa ciência, surgiram há cerca de cento e cinquenta anos entre as classes ricas do mundo cristão europeu, em povos diferentes simultaneamente: Itália, Holanda, França e Inglaterra. O seu fundador, que lhe deu forma científica e teórica, foi Baumgarten. Com pedante precisão e simetria tipicamente alemãs, ele inventou e formulou esta extraordinária teoria. E nenhuma outra teoria, apesar da sua incrível falta de fundamento, agradou tanto à multidão instruída e foi aceite com tanta prontidão e tamanha falta de crítica. Esta teoria agradou tanto às pessoas das classes altas que até agora, apesar da sua absoluta arbitrariedade e da falta de substância das suas teses, tem sido repetida por cultos e incultos como algo indubitável e indiscutível. 
Por mais infundadas que as teorias deste género sejam e por mais contrárias a tudo aquilo que é conhecido e reconhecido pela humanidade, por mais obviamente imorais que sejam, são aceites convictamente e sem crítica, pregando-as com um entusiasmo ardente, por vezes durante séculos, até ao momento em que as condições que as justificam desaparecem ou o absurdo dessas teorias se torna evidente. Assim é também a espantosa teoria da trindade de Baumgarten — Bem, Beleza e Verdade —, segundo a qual se mostra que o melhor que se pode fazer pela arte dos povos que viveram mil e oitocentos anos de vida cristã consiste em identificar como ideal de tal vida o mesmo que há dois mil anos atrás foi o ideal de um povo meio-selvagem e esclavagista, que representava muito bem a nudez do corpo humano e que construía edifícios agradáveis à vista. Ninguém repara em todas estas incongruências. Pessoas instruídas escrevem longos e nebulosos tratados sobre a beleza como membro da trindade estética: a beleza, a verdade e o bem. Das Schöne, das Wahre, das Gute; le Beau, le Vrai, le Bon, é repetido com letras maiúsculas por filósofos, por estetas, por artistas, por pessoas comuns, por romancistas e panfletistas, e todos parecem pensar que, pronunciando estas palavras sagradas, falam sobre algo perfeitamente definido e firme — algo em que é possível fundamentar as suas opiniões. Na verdade, estas palavras não só não têm significado preciso como nos impedem de dar um significado preciso à arte existente. São palavras necessárias para justificar apenas a falsa importância de uma arte que transmite sentimentos de toda a espécie, desde que esses sentimentos nos causem prazer.
Bastava só deixarmos de lado por algum tempo o hábito de considerar esta trindade tão verdadeira quanto a trindade religiosa, e perguntarmo-nos o que todos nós sempre entendemos pelas três palavras dessa trindade, para nos convencermos sem margem para dúvidas de quão disparatado é unir numa só estas três palavras e noções completamente diferentes e, acima de tudo, incomparáveis.
O bem, a beleza e a verdade são colocados no mesmo nível, sendo estas três noções consideradas fundamentais e metafísicas. No entanto, nada disso acontece na realidade. O bem é eterno, o objetivo maior da nossa vida. Seja qual for o entendimento que dele temos, a nossa vida não é senão uma incessante procura do bem — isto é, de Deus. De facto, o bem é um conceito fundamental que metafisicamente constitui a essência da nossa consciência, um conceito que não se define racionalmente. O bem é algo que ninguém pode definir, mas que define tudo o resto. Mas a beleza, se não nos quisermos satisfazer com palavras e antes falar sobre o que compreendemos — a beleza nada mais é do que aquilo que nos é agradável. O conceito de beleza não só não coincide com o de bem, sendo até o seu oposto, porque o bem, na maior parte das vezes, coincide com a vitória sobre as paixões, enquanto a beleza é a base de todas as nossas paixões. 
Quanto mais nos entregamos à beleza, tanto mais nos afastamos do bem. Sei que a resposta do costume é que a beleza pode ser moral ou espiritual, mas isto é apenas um jogo de palavras, porque por beleza espiritual ou moral entende-se nada mais do que o bem. A beleza espiritual, ou o bem, na maioria das vezes não só não coincide com aquilo que normalmente se entende por beleza, como é mesmo contrária a esta.
No que diz respeito à verdade, é ainda menos possível atribuir a este membro da imaginária trindade a unidade com o bem ou a beleza, nem mesmo uma qualquer existência independente. Só chamamos verdade à concordância entre a manifestação ou a descrição de um objeto e a sua essência, ou com a compreensão desse objeto que é comum a todas as pessoas. O que é, então, comum aos conceitos de beleza e de verdade, por um lado, e ao de bem, por outro? Os conceitos de beleza e de verdade não só não são conceitos equivalentes ao de bem, não partilham a mesma essência com o bem e nem sequer coincidem com ele. A verdade é a concordância da descrição com a essência do objeto e, por isso, é também um dos meios de alcançar o bem, mas por si mesma a verdade não é nem o bem, nem a beleza e nem sequer coincide com eles. Dessa forma, por exemplo, Sócrates e Pascal, assim como muitos outros, consideravam o conhecimento da verdade acerca dos objetos inúteis como discordante do bem. Quanto à beleza, nada tem sequer em comum com a verdade e é, na maior parte das vezes, contrária a ela, pois a verdade, ao expor frequentemente o engano, destrói a ilusão, a principal condição da beleza. 
Ora, a união arbitrária destes três conceitos incomensuráveis e estranhos entre si nunca serviu de base à espantosa teoria segundo a qual a diferença entre a boa arte, que transmite bons sentimentos, e a má, que transmite sentimentos perversos, é completamente inexistente; e uma das mais baixas expressões da arte, a arte exclusivamente para o prazer — contra a qual as pessoas foram prevenidas pelos maiores mestres da humanidade — veio a ser considerada arte superior. E a arte deixou de ser a coisa importante que deveria ser para se tornar um oco entretenimento de pessoas ociosas.»
Lev Tolstoi, O Que é a Arte? Trad. Ekaterina Kucheruk (Gradiva, 2013).