A mola propulsora do capitalismo

Na visão de autores neo-schumpeterianos, com destaque para M. Freeman e C. Perez, a difusão de uma tecnologia está associada ao potencial que ela tem de transformar os setores da economia, assim como induzir à formação de novos setores, levando ao desenvolvimento de um novo paradigma técnico-económico e constituindo um novo ciclo de desenvolvimento. O processo de inovação consiste, por um lado, no início de uma crise e, por outro lado, na sua recuperação à medida que os setores industriais, bem como as estruturas sócio-institucionais, vão adequando-se às inovações.
O regime tecnológico que predominou no pós-guerra, o taylorismo-fordismo, baseou-se nos baixos custos do petróleo e intensiva utilização de energia de materiais nos setores econômicos, particularmente o setor automotivo. Do ponto de vista da organização, em nível da planta difundiu-se a linha de montagem e, em nível da empresa difundiu-se a grande corporação, incluindo departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e atuando em mercados oligopolizados. Quanto ao trabalho, esse regime requeria grande número de trabalhadores pouco qualificados, o chamado “operário-massa”,realizando tarefas parcelares, desprovidas de conteúdo e sentido para o trabalhador.
Ainda segundo a abordagem neo-schumpeteriana, a partir do final da década de 1970, as economias capitalistas avançadas iniciaram uma fase de transição para um novo paradigma tecnológico uma vez que um tipo de insumo básico, a tecnologia de base microeletrônica, passou a ser difundido rapidamente pelos setores econômicos. O período de nascimento de um novo paradigma é caracterizado pelos autores como de “transição”, no qual as mudanças econômicas requerem mudanças na estrutura institucional que, até então, adequava e regulava as relações sociais, econômicas e políticas no velho paradigma.
No que se refere ao trabalho, destaca-se a formação de um mercado de trabalho mais flexível com exigências de maiores níveis de escolaridade e de novas habilidades.
Para esses autores, a crise nada mais é que um período de “ajustamento”em que mudanças sociais e políticas, em âmbito institucional, são necessárias para a consolidação do novo paradigma e para a regulação da nova ordem. Partilhando dessas visões, os governos de diversos Estados vêm desenvolvendo políticas de ajuste econômico e social que impactam diretamente na classe trabalhadora, retirando direitos duramente conquistados, reduzindo a seguridade social e tornando as relações de trabalho mais flexíveis. Dados da OIT (2012) mostram que a taxa de pobreza aumentou na metade dos países economicamente desenvolvidos e em 1/3 dos países de economia em desenvolvimento. A desigualdade também se elevou na metade dos países de economia desenvolvida e em ¼ nos países de economias em desenvolvimento.
Ocorre que, para os neo-schumpeterianos, a tecnologia assume uma posição de independência e autonomia sobre as relações sociais e institucionais, conferindo um caráter determinista e de neutralidade à explicação de um processo que não é somente técnico, mas de transformação social. A relação entre mudança técnica e “ajuste” sócio-institucional confere uma posição de subordinação desta última à primeira, o que torna o conjunto das relações socioculturais e de classe dependentes de atributos técnicos, quando, na realidade, a técnica insere-se no contexto mais amplo do modo de produção capitalista e sua forma de acumulação.
Mandel (1985) argumenta que as escolhas sobre determinadas técnicas e não outras são feitas por razões de lucro pelos ramos específicos da indústria, ou melhor, pelas empresas líderes naqueles ramos, dependendo, portanto, das relações de poder no seio da sociedade capitalista.
A introdução de inovações tecnológicas e organizacionais no processo produtivo é uma constante no modo de produção capitalista e nada tem de natural, neutra ou autônoma. Marx foi um dos primeiros pensadores a tratar da inovação técnica como elemento endógeno ao processo de acumulação capitalista, analisando-o no contexto da luta de classes sociais.
Portanto, para concluir, o grande limite da abordagem neo-schumpeteriana está no fato de não articular o conceito de paradigma tecnológico e mesmo da mudança técnica à lei do valor, que é o que fundamenta historicamente o dinamismo tecnológico na ordem do capital. A inovação técnica deve ser compreendida como relacionada a diferentes práticas sociais, que, por sua vez, são produto das relações de classe na luta pelo controle do trabalho no capitalismo, uma vez que este é que gera o valor. Portanto, a mola propulsora do capitalismo é o trabalho, que cria a tecnologia. Esta, por sua vez, tem seu potencial restringido pela sua determinação de classe, subordinada aos imperativos do processo de criação de valores de troca.
Fabiane Santana Previtali e Cílson César Fagiani in.revistarubra.org