A natureza da ciência e a natureza da religião - Religião

Se é difícil explicar a natureza da ciência, não é muito mais fácil dizer o que é exactamente uma religião. Claro que há muitíssimos exemplos: cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo, budismo e muitos outros. Que características são necessárias e suficientes para que algo seja uma religião? Como distinguimos uma religião de um modo de vida, como o confucionismo? Não é fácil dizer. Nem todas as religiões envolvem a crença em algo como o Deus todo-poderoso, omnisciente e moralmente perfeito das religiões teístas, ou até em seres sobrenaturais. (Claro que uma maioria substancial das religiões envolve tais crenças.) Com respeito à nossa investigação, o que é de especial importância é a noção de uma crença religiosa: como tem de ser uma crença para ser religiosa?
Uma vez mais, não é fácil dizer. Para citar uma vez mais o furor quanto ao desígnio inteligente, há quem diga que a proposição de que há um arquitecto inteligente do mundo vivo é religião, e não ciência. Mas nem toda a crença que envolva um arquitecto inteligente — na verdade, nem toda a crença que envolva Deus — é religiosa. Segundo o livro de Tiago do Novo Testamento, “os demónios crêem [que Deus existe] e enchem-se de terror”; as crenças dos demónios não são, presumivelmente, religiosas.2 Uma pessoa poderia propor teorias sobre um ser omnipotente, omnisciente e sumamente bom como parte crucial de um sistema metafísico: a crença em tais teorias não tem de ser religiosa. E que dizer de um sistema de crenças que responde às mesmas grandes questões humanas a que dão resposta os exemplos óbvios de religiões? Questões sobre a natureza fundamental do universo, e do que é sumamente real e básico nele, sobre o lugar dos seres humanos nesse universo, sobre se há pecado ou algo análogo e, se há, o que fazer quanto a isso, se temos de tentar melhorar a condição humana, se os seres humanos sobrevivem às suas mortes e como deve agir uma pessoa racional. Uma vez mais, não é fácil dizer; talvez não. A verdade aqui é, talvez, que uma crença não é religiosa apenas em si. A propriedade de ser religiosa não é intrínseca da crença; é antes uma propriedade que uma crença adquire quando funciona de certo modo na vida de uma dada pessoa ou comunidade. Para ser uma crença religiosa, a crença em questão teria de estar apropriadamente conectada com atitudes caracteristicamente religiosas por parte do crente, nomeadamente atitudes de veneração, amor, compromisso, maravilhamento e afins. Considere-se alguém que crê que a pessoa de Deus existe, certamente, porque a sua existência ajuda a resolver vários problemas metafísicos (por exemplo, sobre a natureza da causalidade, a natureza das proposições, propriedades e conjuntos, e a natureza da função apropriada em criaturas que não sejam artefactos humanos). Contudo, esta pessoa não tem qualquer inclinação para venerar ou amar Deus, nenhum compromisso para tentar levar por diante os projectos de Deus no nosso mundo; talvez, como os demónios, odeie Deus e faça intencionalmente tudo o que pode para frustrar os propósitos de Deus no mundo. Para tal pessoa, a crença de que a pessoa de Deus existe não tem de ser religiosa. Deste modo, é possível que duas pessoas partilhem uma dada crença que funciona como religiosa na vida de apenas uma delas.
Consequentemente, é extremamente difícil apresentar condições necessárias e suficientes (informativas) tanto da ciência como da religião. Talvez para os nossos propósitos presentes isso não seja um problema sério; temos vários excelentes exemplos de cada uma delas, e talvez isso seja suficiente para a nossa investigação.
Alvin Plantinga in  http://plato.stanford.edu/archives/sum2010/entries/religion-science/.