John Rawls: a economia moral da justiça - últimos trabalhos

Rawls desenvolveu seus argumentos, tornando-os mais compatíveis com o pluralismo e com uma concepção pública de justiça. Segundo essa nova concepção, os princípios livremente escolhidos pelos indivíduos devem ser endossados mediante o acordo das posições culturais, filosóficas e religiosas presentes na sociedade.
Nos seus últimos anos, Rawls escreveu ensaios desenvolvendo a teoria do justo e do moral. A maioria foi reunida na coletânea Political liberalism, de 1993. Nesses ensaios, ele aperfeiçoou e modificou suas concepções em função: i) do "fato do pluralismo", ou seja, da multiplicidade de crenças, filosofias, morais, impede o consenso, e ii) do entendimento que a unidade só seria possível dentro do quadro do pluralismo cultural, isto é, dos valores compartilhados. Formulou, então, uma concepção política de justiça, fundada nos pontos em comum das diversas crenças, doutrinas e modos de pensar de uma sociedade, evitando as posições de confronto. A ideia que desenvolveu foi a de se conseguir um consenso por interação (overlapping consensus), uma dimensão pública, não privada do razoável, uma noção compreensiva que incluísse concepções filosóficas, religiosas e culturais que pudessem ser aceitas universalmente, de forma livre, racional e equitativa. O "consenso sobreposto" impõe o respeito tolerante a todas as noções particulares de bens. Exige que as concepções sobre o justo se coadunem com os bens primários e com os princípios básicos eque sejam aceitos por cada uma das orientações morais existentes na sociedade (PL IV § 4; 150-54) da defesa do "equilíbrio reflexivo", pelo qual a coerência da nossa perspectiva moral é obtida mediante o ajuste mútuo entre os juízos particulares, os princípios gerais e as construções teóricas como contrato social (PL 1 § 4; 28). Nessa perspectiva, cada sujeito representativo esclarece a sua posição em relação à distribuição dos bens. A multiplicidade das posições é harmonizada em acordo com princípios que Rawls supõe universais, capazes de ordenar a cooperação e a vida coletiva. É um procedimento analítico, que contorna o problema da deontologia, dos princípios eternamente fixos por uma razão imutável e que se baseia em argumentos razoáveis. Com a nova ideia do equilíbrio reflexivo, os princípios igualitaristas deixam de ser universalizados. Há situações em que são rejeitados, como há situações em que são exigidos (BOUDON, 2000, p. 3) - de ter aceito não ser possível se partir de zero em uma situação original inteiramente neutra.
O ponto de partida seria dado, então, por determinados valores, que denomina de "pensamentos intuitivos fundamentais"; ao ter cingido o modelo às sociedades democráticas que prezam a liberdade, a igualdade e a equidade na produção e distribuição de bens materiais e morais (PL I § 6 pág. 35) e, principalmente, negado que a sua teoria seja uma nova filosofia moral, tomando a justiça equitativa exclusivamente como forma de ordenação do convívio em uma sociedade bem ordenada. O modelo se limita, então, a propor uma ética normativa, fundada na razoabilidade pluralista de todas as doutrinas morais que, apesar de se oporem, persistem através dos tempos e são compatíveis com os princípios básicos de liberdade e igualdade democrática.
Rawls deu atenção especial à questão da distribuição dos bens públicos, aqueles necessários à dignidade da vida coletiva. Os bens que não podem ser oferecidos a cada pessoa individualmente, como a educação, o controle de doenças, as águas e esgotos, a segurança, o transporte, a moradia. Os bens que constituem o exercício do controle econômico, como aferição de custos e preços, o intercâmbio e a transparência das informações sobre os interesses, a transferência ou redistribuição (por exemplo, renda mínima), a distribuição, mediante o fornecimento de bens coletivos. Enfim, os bens que, por natureza, são indivisíveis, como a segurança da nação contra uma ameaça externa. Insistiu que o Estado tem obrigação de garanti-los (TJ § 42; 201 e ss.).
A idealização do liberalismo político e do econômico é, para muitos críticos, o ponto mais fraco do modelo de Rawls. Ele jamais vai contra o liberalismo. Propõe apenas que o mercado aberto seja controlado. No seu modelo, a responsabilidade pelo fornecimento dos bens públicos deve ser governamental, mas o fornecimento em si pode ser tanto governamental como concedido à iniciativa privada. Já a decisão do que integra a lista dos bens públicos e a prioridade na oferta deve ser livremente escolhida pela população (TJ § 37; 181 e ss.). Sejam quais forem as críticas que se possa fazer à forma de pensar de Rawls, e ainda que nem todas as objeções tenham sido removidas, não há dúvida de que ele renovou a reflexão moral e que atingiu o objetivo de responder à questão do que poderia ser a justiça no mundo contemporâneo, mediante a conciliação dos ideais de igualdade e de liberdade nas sociedades pluralistas.
Ao propor uma deontologia, uma doutrina fundada em princípios, em que um ato é justo e moral não porque é “bom”, mas porque é consoante o reto proceder, contribuiu enormemente para dar inicio à superação do embate improdutivo entre um igualitarismo impossível de ser alcançado e o reino iníquo do mercado, que marcou a segunda metade do século XX.