Teorias da Economia Solidária - por Maria da Conceição Pereira Ramos

Não tendo o lucro como objectivo, a missão das organiza- ções da economia solidária ou do terceiro sector é consubstanciada na sua finalidade social, sendo a obtenção de recursos financeiros um meio e não um fim. Várias teorias tentaram responder à questão da função económica das organizações sem fins lucrativos [3] (Anheier, 1996; Barros, 1997, pp. 16-17): 
• Para a “teoria dos bens públicos”, as organizações não lucrativas (ONL) satisfazem procuras especificas de bens públicos ou quase públicos, que o sector público não satisfaz. 
• A “teoria da confiança” considera que, não tendo as ONL como objectivo o lucro, são mais fiáveis em contexto de informação assimétrica, no fornecimento de certos bens e serviços, cuja qualidade é de difícil certificação, dados os custos de supervisão. A opção pelas ONL deve- -se ao facto dos consumidores preferirem minimizar o risco de abuso da posição dominante do produtor no mercado de informação assimétrica. 
• Segundo a “teoria dos stakeholders”, a procura não é suficiente para explicar a existência de ONL, mas sim a organização do mercado; o elemento determinante das ONL seria os “stakeholders” (participam no conselho, aderentes e financiadores que controlam as ONL, através dos dirigentes) que estabelecem um triângulo entre “stakeholder” (dador), produtor (ONL) e utente. As ONL, intermediárias entre os escassos dadores e os numerosos utentes, assegurariam a ligação entre eles.
• A “teoria da heterogeneidade” considera os empreendedores religiosos, portadores de valores ideológicos, e os activistas étnicos como determinantes das ONL. Este tipo de empresário maximiza o lucro não financeiro (maximização da fé, da influência política e da afirmação étnica), através da ONL, cuja existência sinaliza o mercado dos objectivos altruístas, não mercantis do empresário. 
• Para a “teoria neo-institucionalista”, o sistema legal condiciona a existência da ONL, a descentralização polí- tica incentiva a resolução da falência de mercado através da ONL e a desigualdade sócio-económica potencia o aparecimento das ONL. 
• A “abordagem institucional”, associada à Escola Institucional Americana, considera a tensão entre eficiência económica e coesão social uma constante da sociedade ocidental. As ONL contrabalançam a influência das grandes corporações no processo de decisão governamental, assumindo o papel de canais de informação que permitem aos grupos sociais menos protegidos informar o governo das suas preferências, permitindo-lhe actuar para compensar efeitos perversos do mercado e contrabalançar o efeito da procura de lucro sobre os valores sociais. 
Os valores e as atitudes morais e éticas dos cidadãos são parte integrante da cidadania, da economia e do desenvolvimento (Hirschman, 1984; Sen, 1987, 2004). A economia social e solidária pode reconciliar a economia e a moral, a justiça e o lucro (Azam, 2003), na mesma linha de orienta- ção de outros autores: “Talvez mais que dantes, precisamos de uma economia na qual o desenvolvimento social não seja uma preocupação subsidiária, relegada a mecanismos compensatórios, uma economia cuja lógica intrínseca implique e estimule a cooperação e a reciprocidade, em benefício da equidade e da justiça social” (Laville & Gaiger, 2009, p. 168). Uma economia com responsabilidades sociais ao serviço do bem-estar de todos, pois como sublinha Latouche (2003), o apelo ao altruísmo e à solidariedade é mistificador enquanto não for regulado o problema da justiça. Diferentes autores apostam na ideia de que a globalização da economia social fará contrapeso à globalização da economia de mercado (Lautier, 2003; Boulianne et al., 2003; Favreau, 2003; Demoustier, 2004). O termo "economia solidá- ria" abrange elementos como sustentabilidade, meio ambiente, diversidade cultural, desenvolvimento local, competitividade, governabilidade, eficiência e uma outra mundialização. Mas fica a interrogação de Latouche (2007): que tipo de ética e economia mundiais podem levar a uma sociedade mais justa? As organizações não lucrativas constituem uma vasta área de pesquisa, que passa pela introdução dos comportamentos altruístas por parte dos agentes económicos no contexto da teoria económica, pela discussão da eficiência na afecta- ção do bem público e da sustentabilidade da política social no longo prazo. O campo da Economia Social e Solidária ou do Terceiro Sector deve ser entendido na dinâmica das rela- ções entre economia pública e privada. Ao invés de reduzir o conceito de economia à ideia de mercado ou de Estado, parece mais adequado defini-la em termos de economia plural, admitindo uma pluralidade de paradigmas e de princí- pios de comportamento económico. Deste modo, torna-se possível reconhecer, avaliar e compreender, de modo mais adequado, o que se produz fora do circuito do Estado e do mercado, muitas vezes de maneira não monetária e, por isso mesmo, em geral insuficientemente avaliado.
Maria da Conceição Pereira Ramos in laboreal.up.pt