O declínio da governança mundial

Não faltam registos de intervenções notáveis de servidores da ONU, que na história a escrever farão parte de uma sustentada Escola de Ética Global, a qual, como aconteceu com os doutrinadores portugueses e espanhóis do tempo das descobertas e conquistas, não viram ainda muitos resultados do poder da palavra sobre a palavra do poder. Mas a visão do globalismo que orientou as estruturas da ONU foi exclusivamente de pensadores ocidentais, e a realidade entra em conflito com a simplicidade semântica da identificação do globalismo, sem ter conseguido até hoje identificar a complexidade das redes que se entrecruzam, e por isso sem listar, por desconhecimento, os centros de poder efetivo, sobretudo financeiros, que imaginam o credo do mercado como o único paradigma global. O corolário traduz-se em que a confiança na estrutura legal internacional diminui, ao mesmo tempo que autores respeitados, mas sem conseguir oferecer remédios, se preocupam com a Ética das Relações Internacionais, como fazem exemplarmente Ryoa Chung e Jean-Baptiste Jeangèn Vilmer, dirigindo o citadíssimo volume Ética das Relações Internacionais (2013), seriando e sistematizando as correntes sobre a estratégia, a economia, a crise ambiental, o movimento das populações, lidando com a definição das existentes, ou em falta, políticas publicas globais. Infelizmente, parecem acentuar-se, designada e especialmente na Europa, a distância entre o estudo académico e as propostas de estratégia política do saber, os programas oficiais das propagandas assumidas, no uso desse poder político, para depois o exercício ser dominado pelas circunstâncias que surpreendem as planificações proclamadas e frequentemente esquecidas. A soma de desastres, cujas consequências depois se desenvolvem por inesperados caminhos, como aconteceu com o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, e que agora aterrorizam com o aparecimento do autointitulado Estado Islâmico, estão a exigir um regresso do estudo da Estratégia, como fazem Freedman ou Strachan, que não pedem a formulação de grandes teorias, antes aconselham o pragmatismo, sem dispensar a revisitação da história nos seus períodos mais desafiantes. É evidente que o globalismo, não obstante a ignorância que ainda o rodeia, obriga a regionalizações, novas estruturas, por muito que um pensamento americano persistente não abandone a convicção de que a sua hegemonia é a resposta indispensável para manter e evitar um mundo sem qualquer polo de referência, o que uma corrente pessimista não espera conseguir, fazendo referência ao eventual fim de uma ordem americana mundial.
Perante esta divisão insanável de opiniões, parece não haver dúvidas de que a Europa mostra uma grave debilidade de recursos financeiros e simultaneamente fraca visão unitária de um conceito estratégico. É por isso que a temática da segurança e defesa ocidental, capaz de renovar a solidariedade atlântica, requer uma atenção que não será apenas exigida pela ameaça terrorista, mas que procura ajudar a responder à debilitação não apenas das organizações internacionais mas também da própria ordem jurídica internacional, que será sempre um amparo de referência, mesmo quando a realidade a desafia ou vai mais longe e a desrespeita. Encontram-se referências pessimistas no sentido de que o direito internacional não conserva sempre a origem nos Estados, para obedecer a arranjos informais entre poderes nem sempre identificáveis. Um pessimismo que provavelmente é influenciado pelo pouco recomendável crescimento da privatização da defesa, procurando também em interesses privados a fonte inspiradora das novas regras setoriais. Se a ordem mundial exige recuperação, os pequenos Estados, designadamente todos os do Sul da Europa, necessitam pelo menos de preservar ter voz nas decisões, cujos efeitos sofrerão mesmo que não participem.
Adriano Moreira in dn.pt