O não à política

Dois estudos sobre o interesse dos portugueses pelos temas políticos marcaram a semana: um, promovido pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, centrado na informação veiculada pelos média, outro, de espetro mais amplo e orientado para a população jovem, realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Lisboa.
Ambos explicitam o que há muito todos percebemos: um declínio sistemático dos indicadores relativos à perceção sobre qualidade da democracia, em particular, no que concerne a relação dos cidadãos com a política.
Há sinais claros nestes estudos que devem suscitar uma reflexão compreensiva, complexa, que ultrapasse as explicações casuísticas de eco moral apostadas em identificar erros e desculpas numa lógica simplista. Mas não podemos deixar passar em branco o facto de que, em 2014, 73% dos portugueses declaravam-se pouco ou nada satisfeitos com a forma como funciona a democracia portuguesa, ou que só 14% manifestavam interesse em temas da esfera política (contra 60% na Alemanha; 55% nos EUA).
Reconheço no discurso político um afastamento progressivo do mundo da vida. Falta realidade à política; falta contexto e nexo com a realidade plural e dinâmica que não cabe no modelo de um programa formal, expresso segundo o jargão dominante onde as palavras da moda (cooperação, rede...) vão dando lugar a outras (empreendedorismo, narrativa...) num esvaziar de sentido e ligação com o Mundo. Falta, sim, a voz e a ação construída no contexto pelas pessoas que fazem o contexto.
Era, pois, desejável, que ao invés da regulação uniforme e burocrática do quotidiano, dos figurinos pronto-a-vestir e de tamanho único, se abrisse espaço à repolitização da vida, conferindo ao real as possibilidades e responsabilidade de acontecer. Gostava de ver nos programas políticos espaços em branco que remetessem para avaliações de situação com a implicação autónoma de quem neles age; gostava que a palavra flexibilidade tivesse um significado autêntico e não fosse um artifício discursivo com um aroma de democracia.
Quando alguém pensa por nós, decide por nós, que espaço fica para o desejo de participar e ser solidário e responsável nas consequências?
Rosário Gamboa in jn.pt