A ideia de Europa

Já tanto se falou da Grécia e ... falará. Este é o tema do nosso presente, onde se joga a "construção europeia", o futuro dos países que a integram e, sistemicamente, a geopolítica internacional. Porém, sob a densidade complexa desta rede de consequências imprevisíveis, há uma questão de fundo, definidora do que julgamos ser (ou ter sido) que penso latejar nas dobras invisíveis das palavras. A questão grega traz à superfície uma ferida letal na alma da civilização ocidental: o desmoronar da ideia de Europa como conteúdo de um programa político e ético de aspiração universal.
A Europa não é um continente; nunca foi esse o seu valor de referência no Mundo moderno. O conhecimento e a cultura são pilares, de modo próprio em diferentes momentos, de um projeto nascido da capacidade de interrogação, pesquisa e abertura. É isso que testemunham os tratados de geometria ou matemática, os ensaios de governação de países e cidades, e foi com base na consciência da relação de si com o "outro" (bárbaro, indígena, periférico ou imaginário) que floresceram a literatura, a música e as artes. O projeto que a ideia de Europa persegue é filho da crítica, da divergência, da comunicação do saber transfronteiras.
Esta ferida não é, pois, o suspiro nostálgico de uma fantasia romântica que faliu, invenção de intelectuais. É, antes, o núcleo duro da Europa como ideia, civilização, projeto, agora já não como centro único, mas como centro de múltiplos centros, entre outros centros
A União Europeia é "uma construção brilhante mas contraditória, frágil, sem aquele mínimo de organicidade que constitui realmente uma comunidade" e sem vontade real de o ser. Neste vazio, cresceram indefinidamente "eminentes e necessários tecnocratas cosmopolitas intercambiáveis", "sábios vocacionados para o conhecimento neutro da realidade objetiva" (Eduardo Lourenço, A Europa Desencantada, 2001), gente que, como alguém disse, confunde cidadãos com funcionários e países com empresas.
União Europeia expele a diferença, segrega e exclui quem não cumpre as regras do centro. E o medo, o pensamento único e totalizador, regressou ao coração da Europa.
Há, com certeza, gregos nos barcos que vêm do Norte de África. Gregos nas periferias de Paris, ou de Lisboa e até no Vaticano. Há gregos em todos os que partem do seu país para Ítaca sem saberem onde fica a Europa!
A Europa pode deixar de ser uma ideia em movimento.
Rosário Gamboa in JN.pt