Contabilidades

Por muito que a contabilidade criativa seja dominante na política extrativa, que vai dominando os países pobres europeus, o diagnóstico da realidade que se agrava diariamente, por ameaças semeadas na circunstância mundial, vai acentuando a falta de estadistas da dimensão dos que enfrentaram a guerra de 1939-1945, a Guerra Fria até à queda do Muro de Berlim, e ainda os líderes religiosos humanistas, poucos dos quais teriam sido reconhecidos em idade de intervir pelos critérios que agora vão implantando o modelo do conflito geracional. Não estão isolados, antes articulados, os fenómenos que se conhecem influentes nas rápidas evoluções que frequentemente são imprevistas, e cujas consequências evidenciam a incapacidade de respostas de mais de metade dos Estados existentes. Entre tais mutações estão as que são atribuíveis aos governos, por vezes dificilmente creditados pela sabedoria das intervenções, desde o Iraque à Líbia, ao Mali, à Somália e, desastradamente, à Ucrânia, uma desordem mundial que distancia perigosamente as práticas dos tratados e das esperanças que os inspiraram a favor da paz, desatualizando o saber estratégico obrigado a refazer conceitos e a multiplicar espécies reconhecidas de conflitos, movidos por razões religiosas, étnicas, territoriais, ou como que desportivos, sempre com proveito para os complexos militares-industriais, para a privatização da segurança e defesa, e agravando o fenómeno das destruições humanas e materiais. Não é difícil encontrar avisos, criticas, exortações, no sentido de apelar para um regresso a uma ordem internacional que torne viável a vida previsível e valorada, demonstrado como está o adormecimento dos órgãos transnacionais a que foi confiada a liderança no sentido de que implantariam na realidade a esperança que orientou os fundadores. Infelizmente, não é apenas a escala do desenvolvimento que organiza a hierarquia dos Estados, e a preocupação aumenta quando se verifica que nem o remédio da regionalização, em que se traduz de exemplo a União Europeia, consegue garantir o nível de recursos que tranquilizam no domínio da segurança e defesa do espaço. A míngua dos recursos orçamentais, que teimam em não ser suficientes para o corrente desempenho da governação, não obstante a fadiga fiscal que se alarga e aprofunda, não são promissores no sentido de terem sobras que permitam enfrentar qualquer emergência mais severa. Não é dispensável insistir em que as ameaças, designadamente as do nível que atingiram as ameaças e ações do Estado Islâmico, obrigam a admitir que o estado de emergência se soma às dificuldades humanas que exigem a intervenção no sentido de que o Mediterrâneo não seja um cemitério, e apenas porque a miséria de todas as espécies atinge níveis intoleráveis nos países de onde fogem as multidões para a Europa que foi imperial por aquelas paragens e agora é para eles refúgio com dificuldades de acolhimento. Tudo quando as armas que posteriormente procuram garantir "zero mortes" de quem as possui aumentam previsivelmente a crueldade dos conflitos militares em que sejam usadas, sem com isso fazer esquecer que na África do Cabo ao Cairo, na Ucrânia, acrescentando a Síria, o Mali, a Somália, enumeração que é a contabilidade mais fácil e simplificada dos analistas e comentadores, aquilo que se verifica é a "guerra por toda a parte". É evidente que a crise financeira e económica exige contabilidades refinadas das exigências, mas essa arte não pode secundarizar o inventário das ameaças que ao longo da história fizeram esquecer sempre as questões orçamentais. A mobilização dos órgãos transnacionais, responsáveis pela paz, é cada vez mais urgente. A cargo de estadistas que tenham a dimensão dos que enfrentaram a reconstrução da Europa, conseguiram projetar a ONU, lançaram os princípios que progridem penosamente no antigo Terceiro Mundo sem que o desenvolvimento sustentado seja o novo nome da paz.
Adriano Moreira in dn.pt